quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Tratado de Boa Vizinhança em 1353 com a Inglaterra (II)

Paulo Werneck
Recentemente encontrei, em Internet Archive, a coleção dos 18 volumes do "Quadro Elementar das Relações Politicas e Diplomáticas de Portugal com as Diversas Potencias do Mundo Desde o Principio da Monarchia Portugueza Até aos Nossos Dias", redigido pelo segundo Visconde de Santarém, diplomata e historiador.

A coleção registra documentos - tratados, cartas, até mesmo eventos - que mostram as relações de Portugal com o resto do mundo, desde priscas eras, os volumes organizados cronologicamente por nações.

O volume 14 contempla um extrato do tratado que denominei de Boa Vizinhança, que está copiada a seguir, para o leitor usar como uma segunda leitura do referido tratado, publicado na íntegra na postagem "Tratado de Boa Vizinhança em 1353 com a Inglaterra", com a minha tradução leiga:
Tratado de commercio por 50 annos entre Duarte III, Rei d'Inglaterra, e os mercadores, maritimos, e communidades da marinha das cidades e villas maritimas de Portugal, sendo Enviado destas Affonso Martins Alho, que assignou o mesmo Tratado.

Principia este acto pela forma seguinte: «Seja a todos notório, que as gentes, os mercadores, communidades (associações) das cidades maritimas de Lisboa e Porto, e outras do Reino e Senhorios do Rei de Portugal e do Algarve, enviárão Affonso Martins, chamado Alho, como seu mensageiro e procurador perante o excellente Principe, Edwardo pela graça de Deos Rei d'Inglaterra e de França, afim de se contractar e firmar um Tratado de amizade e alliança entre o dito Rei, seus vassallos e os povos, mercadores, maritimos, e communidades das ditas cidades maritimas de Portugal com todas em geral, e com cada uma dellas em particular para sempre, ou por um tempo determinado, em consequencia do que resolve e determina ElRei que se estabeleça uma alliança firme e d'amizade, afim de entreter a melhor affeição entre o dito Rei d'Inglaterra e a de seus vassallos, e os do sobredito povo e cidades maritimas de Portugal, para mutua vantagem e proveito de ambas as partes. Em virtude do que se estipulou o seguinte:

1.º Haveria a melhor intelligencia e firme alliança tanto por mar, como por terra, entre as ditas partes contractantes, por 50 annos a partir da data deste Tratado.

2.º Em consequência disso, os vassallos d'ElRei d'Inglaterra não serião injuriados nem maltratados, tanto nas suas pessoas como nos seus navios, mercadorias ou outros objectos a elles pertencentes, pelos mercadores e maritimos, ou communidades das cidades maritimas de Lisboa e Porto.

3.º Pela mesma maneira o povo, mercadores e communidades das sobreditas cidades não receberião injuria, vexação, ou prejuizo nas suas pessoas, navios, mercadorias ou outros objectos dos maritimos de Inglaterra, Gasconha, Irlanda e de Galles, nem de nenhum outro subdito d'ElRei de Inglaterra.

4.º Nenhum dos povos ou subditos de uma ou de outra parte poderia contractar alliança com os inimigos, opponentes, ou adversários da outra, nem causar-lhe prejuizo, nem prestar-lhe ajuda ou soccorro.

5.º Estipula-se igualmente que os subditos commerciantes, maritimos e quaesquer outros de que condição forem de uma e de outra parte possão livremente, e com toda a segurança, ir e voltar por mar ou por terra a todos os portos de mar, cidades e villas de um e de outro paiz, e passar por todos os logares dos ditos Reinos quando e onde lhes convier, assim como seus navios grandes e pequenos, e Iodas as mercadorias que trouxerem nos seus ditos navios, de qualquer paiz de onde ellas possão provir.

6.º Todas as disputas, dissensões e discórdias que existirão nos tempos passados, bem como todos os damnos e prejuizos causados por uma ou por outra das partes (contractantes) anteriormente á data do presente Tratado (se por ventura existem) serão (e annullandas) annuladas para sempre, e não se intentará nenhuma acção nem processo por nenhuma das duas partes.

Se porêm no futuro alguma das duas partes contractantes causar algum aggravo ou prejuizo á outra, neste caso o aggravo, ou damno será devidamente reparado pelos senhorios ou autoridades das partes respectivas, e a parte prejudicada será indemnizada das despezas que fizer no proseguimento da pessoa ou dos bens da pessoa que lhe tiver causado o prejuizo.

No caso porêm que esta não possua sufficientes mercadorias ou bens para pagar as multas será constrangido e preso, e justiça será feita em proveito da pessoa que soffreu o aggravo.

7.º Estipula-se também que no caso que ElRei d'Inglaterra, ou algum dos seus vassallos, tome ou ganhe sobre seus adversarios alguma cidade, castello, ou porto no qual se achem mercadorias, ou fazendas pertencentes ao povo, mercadores, maritimos ou communidades das cidades mencionadas (Lisboa e Porto, etc), ou navios nos quaes se encontrem mercadorias pertencentes ás mesmas, nesse caso o dito Rei d'Inglaterra e de França, ou a pessoa que commandar em seu nome, procederá a uma pesquiza sobre a pessoa em cujas mãos se achão taes mercadorias ou effeitos, fazendo taes diligencias conforme a Lei, e exibindo este Tratado, afim de que taes navios e mercadorias sejão restituidas e recobradas pelo povo, mercadores, maritimos ou outras pessoas das associações maritimas acima mencionadas, tendo estas declarado previamente com juramento que estas lhes pertencião.

Advertindo todavia que taes navios não estejão armados, ou que tenhão dado ajuda ou auxilio aos inimigos do dito Rei d'Inglaterra. No caso que algum dos ditos navios seja encontrado armado, ou lendo assistido ou soccorrido os inimigos do dito Rei, perderá os seus bens e das pessoas a quem pertencerem, mas que os outros que cumprirem lealmente este acordo não deverão experimentar nenhum damno.

Outrosim no caso que os vassallos do dito Rei d'Inglaterra e de França tomem ou capturem no mar, ou em um porto, algum ou alguns navios dos seus adversários e inimigos, e que nelles se encontrar algumas mercadorias ou objectos pertencentes ás ditas cidades maritimas, estas serão transportadas para Inglaterra onde serão cuidadosamente guardadas até que os interessados provem o seu direito a ellas.

Em idênticos casos o mesmo será observado pelo povo e marinha das ditas cidades a respeito dos vassallos do dito Rei d'Inglaterra.

8.º Outrosim se ajustou que os pescadores das ditas cidades maritimas (de Portugal) poderão ir pescar livremente sem incorrer em nenhum perigo nos portos d'Inglaterra e de Bretanha, e nos outros portos e logares que elles julgarem opportunos, pagando somente os direitos (costumes) devidos ao senhor do paiz.

Feito em Londres a 20 d'Outubro do anno da graça de 1353
Veja também:
Tratado de Boa Vizinhança em 1353 com a Inglaterra.

Fonte:
CARVALHOSA, Manuel Francisco de Barros e Sousa de Mesquita de Macedo Leitão e (Visconde de Santarém). Quadro Elementar das Relações Politicas e Diplomáticas de Portugal com as Diversas Potencias do Mundo Desde o Principio da Monarchia Portugueza Até aos Nossos Dias. Tomo 14. Segunda edição. Páginas 39 a 43. Lisboa: Typographia da Academia Real das Sciencias, 1865. Disponível em Internet Archive (www.archive.org).