terça-feira, 7 de maio de 2013

Ordenação de 1520 - Redução dos Riscos

Paulo Werneck

Nas navegações daquela época havia o risco de piratas e corsários. Para a embarcação atacada não havia grandes diferenças, bens e vidas em risco iminente, até mesmo presente a possibilidade de tornar-se escravo, como ocorreu com tantos e inclusive com Robinson Crusoé, que muito antes de se tornar náufrago numa ilha deserta, foi apresado por corsários mouros e convertido em escravo, não por muito tempo, pois escapou, foi recolhido por um mercante português e levado para Salvador, onde se tornou plantador de fumo, e depois, tendo partido numa viagem para contrabandear escravos africanos para si e os fazendeiros vizinhos, acabou naufragando...

Assim como podiam ser atacados, os navegantes podiam atacar os inimigos, até mesmo como corsários, ou seja, piratas estatais ou marinha de guerra terceirizada, conforme a posição ideológica do observador.

Dom Manoel, todavia, não queria manobras diversionistas: que os mercantes voltassem rapidamente para Lisboa com suas cargas, reduzindo os riscos e atrasos dos combates, para logo receber seus direitos sobre as mercadorias...

Depois de proibir a atividade corsária (§ 13) - deixando todavia aberta a possibilidade do capitão mór, responsável pela segurança do empreendimento - poder o contrário determinar, volta a detalhar bem detalhadinho quais as mercadorias objeto do monopólio mais estrito (§§ 15 a 17), deixando claro que esse monopólio permite a concessão a alguns mercadores de permissão para fazerem negócios (final do § 17), são os contratadores, que em troca dessa permissão devem entregar uma parte dos ganhos ao Rei, ou mesmo realizar algumas tarefas, como ocorreu com Fernão de Loronha, que devia despacha a cada ano um navio para reconhecer um pedaço da costa brasileira.
Ordenações da India do Senhor Rei D. Manoel
... continuação ...
[13] Item defendemos, e mandamos, que os capitães das náos, que vão aa india, pera hir e vir com carregua das especiarias, aa ida nem aa vinda, nom façam presas, nem tomadias em algũas náos, posto que se possa dizer, que sam de mouros, ou de partes, que nom estam assentados em nosso seruiço, saluo na companhia do seu capitam moor, ou á sua vista, ou por seu mandado, por que neste caso guardarão, e faram, o que por seu capitã moor lhe fór mandado. Nem hos ditos capitães se desuiem do caminho ordenado de sua viagem, saluo tendo tal necessidade, que a ysso os constrangua, ou leuando em seu regimento o contrairo, sob pena, que nom guardando inteiramente esta nossa defesa e mandado, percam suas fazendas, e mays todos seus soldos, e ordenados da viagem. E hindo soo, ou sem capitam moor, ysso mesmo nom fará as ditas presas, saluo leuando-o em seu regimento sob as ditas penas.

[14] Item defendemos e mandamos, que ninhum capitam, feitor, escriuam de feitoria, nem ninhum outro official de nossa fazenda, ou justiça, nem ninhũa outra pessoa, de qualquer qualidade e condição que seja, assi cristão, como mouro, como de qualquer outra nação que fôr nom possa trautar, nem de feito traute, nem nauegue em pimenta, crauo, gengiure, canela, maças, nóz nozcada, lacar, seda, nem tincal, nem por modo algum ninhũa das ditas cousas compre, sob pena, que se ho contrairo fezer, encorra em perdimento de toda sua fazenda, e mays percam seus soldos, e ordenados que de nós teuerem. E sendo algũa das sobreditas cousas achada em mão de mouros, queremos, e mandamos, que a dita náo se perca com toda a fazenda, que nella fôr achada, assi de cristãos, como dos mouros, prouando-se que era a mercadoria daquelles, que na tal náo ião, ou sabião della parte, e os mouros pelo mesmo caso, sejam cativos pera nós.

[15] Nem ysso mesmo nom possam trazer, nem da dita india tirar ninhũa das ditas cousas pera estes reynos, sob pena de per esse mesmo feito perder pera nós todo ho que assi trouxer, ou tirar, e ho soldo de toda a dita viagem, e toda sua fazenda, nas quaes penas encorrêram, valendo as ditas cousas que assi trouxerem contra esta nossa defesa cinco mil reaes neste reyno, e di pera cima, E nom valendo cinco mil reaes, passando porém de mil reaes, paguarão somente a valia do que assi trouxerem em tresdobro, e valendo somente mil reaes, ou di pera baixo, perderam somenteo o que assi trouxerem, ou sua valia.

[16] Item defendemos, e mandamos, que aquellas pessoas, que por nossa licença, podem trautar na india, por laa nos andarem seruindo, e a que temos dado luguar, que possam trazer pera estes reynos algũas mercadorias daquellas, em que laa podem trautar, nom passão trazer quando vierem, nem mandar em cada viagem, em quanto laa nos andarem seruindo, mays de hũa quintalada de Beijoim, o qual poderam trazer, ou enuiar fóra das caixas, que lhe temos ordenadas, sob pena que aquello que mays trouxer, se perca pera nós.

[17] Item defendemos, e mandamos, que em Çamatra, ninhũa pessoa, de qualquer qualidade, e condição que seja, nom possa trautar, nem traute em seda, nem em pimenta, que haa na dita ylha de Çamatra, nem em qualquer outra parte, onde a dita pimenta laa ouuer, nem a possa nauegar de Çamatra, nem de qualquer outra parte, onde laa naquellas partes a ouuer, pera a india, nem pera os Chiis, nem pera ninhũa outra parte que seja, sob pena de a dita seda, e pimenta se perder toda pera nós, e as náos em que fôr achada. E se forem nossos capitães, e officiaes, ou pessoas que soldo, e ordenado nosso tenham, ho perderão assi mesmo todo pera nós, e mays suas capitanias e officios, que de nós teuerem. E esta nossa defesa nom prejudicará porém naquelles, com quem fezermos alguns contrautos, e partidos, em que decrare, que podem trautar nas sobreditas cousas; antes lhe seram guardados, e compridos inteiramente, como nelles fôr contheudo.
... a continuar ...
Fontes:
CAMINHA, Antonio Lourenço. Ordenações da India do Senhor Rei D. Manoel. Lisboa: Impressão Régia, 1807.

Veja também:
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