quinta-feira, 9 de maio de 2013

Ordenação de 1520 - Código de Ética

Paulo Werneck

A questão da idoneidade no trato da coisa pública não é nova, o que o demonstra a Ordenação em comento. Um oficial do Rei não pode receber presentes, pois esses presentes podem alterar a decisão nos processos, prejudicando a Justiça e os interesses do monarca, não apenas porque a decisão pode lhe ser materialmente desfavorável, como pela redução da estima do povo ao governo.

Difere essa norma das atuais pelo maior cuidado da redação, deixando claro que o servidor é uma pessoa da sociedade, que tem família e amigos, o que enseja as ressalvas. Assim um oficial do Rei pode receber presentes dessas pessoas que, ao lhe fazerem agrados, nada mais estão fazendo que agir naturalmente, de acordo com os usos e costumes sociais, longe de tentativas de suborno. E o oficial, de sua parte, não precisa ficar dependente do bom senso dos corregedores, que precisariam fazer vista grossa para isso, pois a exceção está devidamente prevista na Ordenação.

Um bom exemplo para os legisladores apressados e displicentes de hoje em dia.
Ordenações da India do Senhor Rei D. Manoel
... continuação ...
[22] E vendo nós quanto dano, e prejuizo, e assi escandalo, e nosso desseruiço se segue, de os officiaes auerem de receber dadivas, e presentes, e como até qui nom foi prouido á cerca disso, como em semelhante caso se deuia, e era razão se fazer: Ordenamos, e mandamos que ninhũ nosso capitam das nossas fortalezas, que nessas partes temos, e ao diante teuermos, alcaydes moores, feitores, escriuães das feitorias, almoxarifes, e escriuães delles, e todos quaesquer outros officiaes da fazenda, e justiça, e de qualquer outra qualidade que sejam, que nessas partes teuermos, nom recebam ninhũas dadiuas, nem presente de ninhũas pessoas de qualquer qualidade que sejam, quer com elles tenhão despacho de seus ofícios, quer nom, e quem ho contrairo fezer, perderá qualquer officio, ou officios que teuer, e mays paguará vinte por hum do que assi receber, ametade pera quem ho accusar, e a outra metade, pera a nossa camara. E aquelle que o tal presente, ou dadiua der, ou enuiar, sendo o tal, pessoa que destes reynos fosse, perderá toda sua fazenda, ametade ysso mesmo pera quem ho accusar, e a outra metade pera nossa camara, e sendo pessoas, que tenhão de nós officios, ou carreguos de qualquer sorte, e qualidade que sejam, além de assi perderem suas fazendas, e hos officios, e carreguos, mantimentos, ordenados, que com elles teuerem, seram degradados por cinco annos pera os nossos luguares dalem, e mays nom poderã nunca aver hos taes officios, ou carreguos que assi teuerem. E nom tolhemos porém, que hos sobreditos, possão receber fruytas, e cousas de comer que se costumão mandar antre os amigos, e esto daquellas pessoas, que com elles teuerem razão de parentesco, ou cunhadío, até ho quarto gráo, ou tendo com elle tão estreita amizade, ou outra razão, por onde, segundo dereito, nom poderia ser juiz de suas causas.
... a continuar ...
Fontes:
CAMINHA, Antonio Lourenço. Ordenações da India do Senhor Rei D. Manoel. Lisboa: Impressão Régia, 1807.

Veja também:
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