sábado, 6 de abril de 2013

Tratados Desiguais - Comércio e Navegação de 1810

Paulo Werneck

Dom João VI na Aclamação, por Jean-Baptiste Debret (1768–1848)
George III na Coroação, por Allan Ramsay (1713–1784)
Fonte: Wikipedia

A postagem "Crítica Antecipada", de 23 de abril de 2012, faz referência ao "Tratado de commercio e navegação entre o Principe Regente de Portugal e ElRei do Reino Unido da Grande Bretanha e Irlanda", assinado no Rio de Janeiro aos 18 de fevereiro de 1810 e ratificado pela Carta de Lei do dia 26, mas não apresenta o texto do referido tratado. Essa lacuna está sendo agora corrigida, com a transcrição integral do texto a seguir:
TRATADO DE COMMERCIO, E NAVEGAÇÃO ENTRE OS MUITO ALTOS, E MUITO PODEROSOS SENHORES O PRINCIPE REGENTE DE PORTUGAL, E ELREY DO REINO UNIDO DA GRANDE BRETANHA E IRLANDA ASSINADO NO RIO DE JANEIRO PELOS PLENIPOTENCIARIOS DE HUMA E OUTRA CORTE EM 19 DE FEVEREIRO DE 1810 E RATIFICADO POR AMBAS

RIO DE JANEIRO - NA IMPRESSÃO REGIA. - 1810.

EM NOME DA SANTISSIMA E INDIVIZIVEL TRINDADE SUA ALTEZA REAL O Principe Regente de Portugal, e SUA MAGESTADE ElRey do Reino Unido da Grande Bretanha e Irlanda, estando igualmente animados com o desejo não sómente de consolidar e estreitar a antiga Amizade e boa Intelligencia, que tão felizmente subsistem, e tem subsistido por tantos seculos entre as Duas Corôas, mas tambem de augmentar, e extender os beneficos effeitos della em mutua vantagem dos Seus respectivos Vassallos, julgarão, que os mais efficazes meios para conseguir estes fins serião os de adoptar hum Systema Liberal de Commercio fundado sobre as Bases de Reciprocidade, e mutua Conveniencia, que pela discontinuação de certas Prohibições, e Direitos Prohibitivos, podesse procurar as mais solidas vantagens de ambas as Partes ás Producções e Industria Nacionaes, e dar ao mesmo tempo a devida Protecção tanto á Renda Publica como aos Interesses do Commercio Justo e Legal.

Para este fim Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal, e Sua Magestade ElRey do Reino Unido da Grande Bretanha e Irlanda, Nomearão para seus Respectivos Commissarios, e Plenipotenciarios, a saber, Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal ao Muito Illustre e Muito Excellente Senhor Dom Rodrigo de Souza Coutinho, Conde de Linhares, Senhor de Payalvo, Commendador da Ordem de Christo, Gram-Cruz das Ordens de S. Bento, e da Torre e Espada, Conselheiro do Conselho de Estado de Sua Alteza Real, e Seu Principal Secretario de Estado da Repartição dos Negocios Estrangeiros e da Guerra, e Sua Magestade ElRey do Reino Unido da Grande Bretanha e Irlanda ao Muito Illustre e Muito Excellente Senhor Percy Clinton Sidney, Lord Visconde e Barão de Strangford, Conselheiro do muito Honroso Conselho Privado de Sua Magestade, Cavalleiro da Ordem Militar do Banho, Gram-Cruz da Ordem Portugueza da Torre e Espada, e Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario de Sua Magestade na Corte de Portugal, os quaes depois de haverem devidamente trocado os seus respectivos Plenos Poderes, e tendo-os achado em boa e devida fórma, convierão nos Artigos seguintes.

ARTIGO I.
Haverá huma sincera e perpetua Amizade entre Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal, e Sua Magestade Britannica, e entre Seus Herdeiros e Successores, e haverá uma constante e universal Paz, e Harmonia entre Ambos, Seus Herdeiros, e Successores, Reinos, Dominios, Provincias, Paizes, Subditos, e Vassallos de qualquer Qualidade, ou Condição que sejão, sem excepção de Pessoa, ou Lugar. E as Estipulações deste presente Artigo serão, com o favor do Todo Poderoso DEOS, permanentes e perpetuas.

ARTIGO II.
Haverá reciproca Liberdade de Commercio, e Navegação entre os respectivos Vassallos das Duas Altas Partes Contractantes em todos, e em cada hum dos Territorios, e Dominios de qualquer d'Ellas. Elles poderáõ negociar, viajar, residir, ou estabelecer-se em todos, e cada hum dos Portos, Cidades, Villas, Paizes, Provincias, ou Lugares, quaesquer que forem, pertencentes a Huma, ou Outra das Duas Altas Partes Contractantes; excepto n'aquelles, de que geral e positivamente são excluidos todos quaesquer Estrangeiros; os nomes dos quaes Lugares serão depois especificados em hum Artigo Separado deste Tratado. Fica porém claramente entendido, que, se algum Lugar pertencente a Huma ou Outra das Duas Altas Partes Contractantes vier a ser aberto para o futuro ao Commercio dos Vassallos de alguma outra Potencia, será por isso considerado como igualmente aberto, e em termos correspondentes, aos Vassallos da Outra Alta Parte Contractante, da mesma fórma, como se tivesse sido expressamente Estipulado pelo Presente Tratado. E tanto Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal como Sua Magestade Britannica, se obrigão, e empenhão a não Conceder Favor, Privilegio, ou Immunidade alguma, em materias de Commercio e Navegação, aos Vassallos de outro qualquer Estado, que não seja tambem ao mesmo tempo respectivamente Concedido aos Vassallos das Altas Partes Contractantes, gratuitamente, se a Concessão em favor daquele outro Estado tiver sido gratuita, e dando quam proxime a mesma Compensação, ou Equivalente no caso de ter sido a Concessão condicional.

ARTIGO III.
Os Vassallos dos dous Soberanos não pagaráõ respectivamente nos Portos, Bahias, Enseadas, Cidades, Villas, ou Lugares quaesquer que forem, pertencentes a qualquer d'Elles, Direitos, Tributos, ou Impostos (seja qual for o nome com que elles possão ser designados ou comprehendidos) maiores, do que aquellas que pagão, ou vierem a pagar os Vassallos da Nação a mais favorecida: E os Vassallos de Cada Huma das Altas Partes Contractantes gozaráõ nos Dominios da Outra dos mesmos Direitos, Privilegios, Liberdades, Favores, Immunidades, ou Isenções, em materias de Commercio e de Navegação, que são concedidos, ou para o futuro o forem aos Vassallos da Nação a mais favorecida.

ARTIGO IV.
Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal e Sua Magestade Britannica, Estipulão e Accordão, que haverá huma perfeita Reciprocidade a respeito dos Direitos e Impostos, que devem pagar os Navios e Embarcações das Altas Partes Contractantes dentro de cada hum dos Portos, Bahias, Enseadas, e Ancoradouros pertencentes a qualquer d'Ellas; a saber, que os Navios e Embarcações dos Vassallos de Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal, não pagaráõ maiores Direitos, ou Impostos, (debaixo de qualquer nome porque sejão designados, ou entendidos) dentro dos Domínios de Sua Magestade Britannica, do que aqulles que os Navios e Embarcações pertencentes aos Vassallos de Sua Magestade Britannica, forem obrigados a pagar dentro dos Domínios de Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal, e Vice Versa. E esta Convenção e Estipulação se extenderá particular e expressamente ao pagamento dos Direitos conhecidos com o nome de Direitos do Porto, Direitos de Tonelada, e Direitos de Ancoragem, os quaes em nenhum caso, nem debaixo de pretexto algum serão maiores para os Navios e Embarcações Portuguezas dentro dos Domínios de Sua Magestade Britannica, do que para os Navios e Embarcações Britannicas dentro dos Domínios de Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal, e Vice Versa.

ARTIGO V.
As Duas Altas Partes Contractantes igualmente convem, que se estabelecerá nos seus respectivos Portos o mesmo valor de Gratificações, e Drawbacks sobre a Exportação dos Generos e Mercadorias, quer estes Generos e Mercadorias sejão exportados em Navios e Embarcações Portuguezas, quer em Navios e Embarcações Britannicas, isto he, que os Navios e Embarcações Portuguezas gozaráõ do mesmo favor a este respeito nos Domínios de Sua Magestade Britannica que seconceder aos Navios, e EmbarcaçõesBritannicas nos Dominios de Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal, e Vice Versa. As Duas Altas Partes Contractantes igualmente convem, e accordão, que os Generos e Mercadorias, vindas respectivamente dos Portos de qualquer d'Ellas, pagaráõ os mesmos Direitos, quer sejão importados em Navios e Embarcações Portuguezas, quer o sejão em Navios e Embarcações Britannicas; ou de outro modo, que se poderá impor, e exigir que os Generos e Mercadorias vindas em Navios Portuguezes dos Portos de Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal para os Domínios de Sua Magestade Britannica hum augmento de Direitos equivalente, e em exacta proporção com o que possa ser imposto sobre os Generos e Mercadorias que entrarem nos Portos de Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal vindas dos de Sua Magestade Britannica em Navios Britannicos. E para que este ponto fique estabelecido com a devida exacção, e que nada se deixe indeterminado a este respeito, conveio-se, que cada hum Governo respectivamente publicará Listas, em que se especifique a differença dos Direitos, que pagaráõ os Generos e Mercadorias assim importadas em Navios ou Embarcações Portuguezas, ou Britannicas; e as referidas Listas (que se farão applicaveis para todos os Portos dentro dos respectivos Dominios de cada huma das Partes Contractantes) serão declaradas, e julgadas como formando parte deste Presente Tratado. A fim de evitar qualquer differença, ou desintelligencia a respeito das Regulações, que possão respectivamente constituir uma Embarcação Portugueza, ou Britannica, as Altas Partes Contractantes convierão em declarar, que todas as Embarcações contruidas nos Dominios de Sua Magestade Britannica, e possuidas, navegadas, e registadas conforme as Leis da Grande Bretanha, serão consideradas como Embarcações Britannicas: e que serão consideradas como Embarcações Portuguezas todos os Navios ou Embarcações contruidas nos Paizes pertencentes a Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal, ou em algum delles, ou Navios apresados por algum dos Navios ou Embarcações de Guerra, pertencentes ao Governo Portuguez, ou a algum dos Habitantes dos Dominios de Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal, que tiver Comissão, ou Cartas de Marca e de Reprezalias do Governo de Portugal, e forem condemnados como Legitima Preza em algum Tribunal do Almirantado do referido Governo Portuguez, e possuidos por Vassalos de Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal, ou por algum delles, e do qual o Mestre, e tres quartos, pelo menos, dos Marinheiros forem Vassalos de Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal.

ARTIGO VI.
O mutuo Commercio, e Navegação dos Vassallos de Portugal e da Grande Bretanha, respectivamente nos Portos, e Mares da Asia, são expressamente permittidos no mesmo gráo, em que até aqui o tem sido pelas Duas Corôas. E o Commercio e Navegação assim permittidos serão postos d'aqui em diante, e para sempre sobre o pé do Commercio e Navegação da Nação mais favorecida que Commercea nos Portos e Mares da Asia, isto he, que Nenhuma das Altas Partes Contractantes concederá Favor ou Privilégio algum, em materias de Commercio e Navegação as Vassallos de algum outro Estado, que Commercea nos Portos e Mares da Asia, que não seja tambem concedido quam proxime nos mesmos termos aos Vassallos da Outra Alta Parte Contractante. Sua Magestade Britannica se obriga em Seu proprio Nome, e no de Seus Herdeiros e Successores a não fazer regulação alguma que possa ser prejudicial, ou inconveniente ao Commercio e Navegação dos Vassallos de Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal nos Portos e Mares da Asia em toda extensão que he, ou possa ser para o futuro permitida á Nação mais favorecida. E Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal se obriga igualmente no Seu proprio Nome, e no de Seus Herdeiros e Successores, a não fazer regulações algumas, que possão ser prejudiciaes ou inconvenientes ao Commercio e Navegação dos Vassallos de Sua Magestade Britannica nos Portos, Mares, e Dominios, que lhe são franqueados em virtude do Presente Tratado.

ARTIGO VII.
As Duas Altas Partes Contractantes resolverão, a respeito dos privilegios que devem gozar os Vassallos de Cada huma d'Ellas nos Territorios ou Dominios da Outra, que se observasse de ambas as partes a mais perfeita Reciprocidade. E os Vassallos de Cada huma das Altas Partes Contractantes terão livre e inquestionavel Direito de viajar, e de residir nos Territorios, ou Dominios da Outra, de occupar Casas e Armazens, e de dispor de Propriedade Pessoal, de qualquer qualidade ou denominação, por Venda, Doação, Troca, ou Testamento, ou por outro qualquer modo, sem que se lhe ponha o mais leve impedimento, ou obstaculo. Elles não serão obrigados a pagar Tributos ou Impostos alguns, debaixo de qualquer pretexto que seja, maiores, do que aquelles que pagão ou possão ser pagos pelos proprios Vassallos do Soberano, em cujos Dominios elles resi direm. Não serão obrigados a servir forçadamente como Militares, quer por Mar, quer por Terra. As Suas Casas de habitação, Armazens, e todas as partes, e dependencias delles, tanto pertencentes ao seu Commercio, como á sua residencia, serão respeitadas. Elles não serão sujeitos a Visitas e Buscas vexatorias, nem se lhes farão Exames, e Inspecções arbitrarias dos seus Livros, Papeis, ou Contas, debaixo do pretexto de ser de Authoridade Suprema do Estado. Deve porem ficar entendido, que, nos casos de Traição, Commercio de Contrabando, e outros Crimes para cuja achada ha regras estabelecidas pelas Leis do Paiz, esta Lei será executada, sendo mutuamente declarado, que não se admitiráõ falsas, e maliciosas accusações, como Pretextos, ou Excusas para Visitas e Buscas vexatorias, ou para o Exame de Livros, Papeis, ou Contas Commerciaes, as quaes Visitas ou Exames jámais terão lugar, excepto com a Sancção do Competente Magistrado, e na presença do Consul da Nação a que pretencer a Parte accusada, ou do seu Deputado, ou Representante.

ARTIGO VIII.
Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal se obriga em Seu proprio Nome, e no de Seus Herdeiros e Succersores, a que o Commercio dos Vassalos Britannicos nos Seus Dominios não será restringido, interrompido, ou de outro algum modo affectado pela operação de qualquer Monopolio, Contracto, ou Privilegios Exclusivos de Venda, ou de Compra, seja qual for; mas antes que os Vassallos da Grande Bretanha terão livre, e irrestricta Permissão de Comprar e Vender de, e a quem quer que for, de qualquer modo ou fórma que possa convir-lhes, seja por Grosso, ou em Retalho, sem serem obrigados a dar preferencia alguma ou favor em Consequencia dos ditos Monopolios, Contractos, ou Privilegios Exclusivos de Venda ou de Compra. E Sua Magestade Britannica se obriga da sua parte a observar fielmente este Principio assim reconhecido, e ajustado pelas Duas Altas Partes Contractantes. Porém deve ficar distinctamente entendido, que o presente Artigo não será interpretado como invalidando, ou affectando o Direito Exclusivo possuido pela Corôa de Portugal nos Seus proprios Dominios a respeito dos Contractos do Marfim, do Páo Brazil, da Urzela, dos Diamantes, do Oiro em pó, da Polvora, e do Tabaco manufacturado. Com tanto porém que os sobreditos Artigos vierem a ser geral, ou separadamente Artigos livres para o Commercio nos Dominios de Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal, será permittido aos Vassallos de Sua Magestade Britannica o Commerciar nelles tão livremente, e no mesmo pé, em que for permittido aos Vassallos da Nação mais favorecida.

ARTIGO IX.
Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal, e Sua Magestade Britannica convem, e accordão, que Cada huma das Altas Partes Contractantes terá o Direito de Nomear Consules Geraes, Consules, e Vice-Consules em todos aquelles Portos dos Dominios da Outra Alta Parte Contractante, onde elles são, ou possão ser, necessarios para augmento do Commercio e para os interesses Commerciaes dos Vassallos Commerciantes de Cada huma das Duas Corôas. Porém fica expressamente estipulado, que os Consules de qualquer classe que forem, não serão reconhecidos, recebidos, nem permittidos obrar como taes, sem que sejão devidamente Qualificados pelo seu proprio Soberano, a Approvados pelo outro Soberano em Cujos Dominios elles devem ser empregados. Os Consules de todas as Classes dentro dos Dominios de Cada huma das Altas Partes Contractantes serão postos respectivamente no pé de perfeita Reciprocidade, e Igualdade. E sendo elles Nomeados sómente para o fim de facilitar, e assistir aos Negocios de Commercio, e Navegação, gozaraõ por tanto sómente dos Privilegios que pertencem ao seu Lugar, e que são reconhecidos, e admittidos por todos os Governos, como necessarios para o devido cumprimento do seu Officio, e Emprego. Elles serão em todos os casos, sejão Civis, ou Criminaes, inteiramente sujeitos ás Leis do Paiz em que residirem, e gozaraõ tambem da plena e inteira Protecção daquellas Leis, em quanto elles se conduzirem com respeito a ellas.

ARTIGO X.
Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal, dezejando proteger, e facilitar nos Seus Dominios o Commercio dos Vassallos da Grande Bretanha, assim como as Suas relações, e communicações com os Seus proprios Vassallos, ha por bem conceder-lhes o Privilegio de Nomearem, e terem Magistrados Especiaes, para obrarem em seu favor como Juizes Conservadores, n'aquelles Portos e Cidades dos Seus Dominios em que houverem Tribunaes de Justiça, ou possão ser estabelecidos para o futuro. Estes Juizes julgaráo, e decidiráo todas as Causas, que forem levadas perante elles pelos Vassallos Britannicos, do mesmo modo que se praticava antigamente, e a sua Authoridade, e Sentenças serão respeitadas. E declara-se serem reconhecidas, e renovadas pelo presente Tratado as Leis, Decretos, e Costumes de Portugal relativos á Jurisdicção do Juiz Conservador. Elles serão escolhidos pela pluralidade de votos dos Vassallos Britannicos que residirem, ou commerciarem no Porto, ou Lugar, em que a Jurisdicção do Juiz Conservador for estabelecida; e a Escolha assim feita será transmittida ao Embaixador, ou Ministro de Sua Magestade Britannica Residente na Corte de Portugal, para ser por elle apresentada a Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal, a fim de obter o Consentimento, e Confirmação de Sua Alteza Real; e no caso de a não obter, as Partes Interessadas procederáõ a huma nova Eleição, até que se obtenha a Real approvação do Principe Regente. A remoção do Juiz Conservador, nos casos de falta de Dever, ou de Delicto, será tambem effeituada por hum Recurso a Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal por meio do Embaixador, ou Ministro Britannico Residente na Corte de Sua Alteza Real. Em compensação desta Concessão a favor dos Vassallos Britannicas, Sua Magestade Britannica Se obriga a fazer guardar a mais estricta e escrupulosa observancia áquellas Leis, pelas quaes as Pessoas, e a Propriedade dos Vassallos Portuguezes, residentes nos Seus Dominios são asseguradas e protegidas; e das quaes elles (em commum com todos os outros Estrangeiros) gozão do Beneficio pela reconhecida Equidade da Jurisprudencia Britannica, e pela Singular Excellencia de Sua Constituição. E demais estipulou-se, que, no caso de Sua Magestade Britannica conceder aos Vassallos de algum outro Estado qualquer Favor ou Privilegio que seja analogo ou se assemelhe ao Privilegio de ter Juizes Conservadores, concedido por este Artigo aos Vassallos Britannicos residentes nos Dominios Portuguezes, o mesmo Favor ou Privilegio será considerado como igualmente concedido aos Vassallos de Portugal residentes nos Dominios Britannicos, do mesmo modo como se fosse expressamente estipulado pelo Presente Tratado.

ARTIGO XI.
Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal, e Sua Magestade Britannica, Convem particularmente em Conceder os mesmos Favores, Honras, Immunidades, Privilegios, e Isenções de Direitos e Impostos aos Seus Respectivos Embaixadores, Ministros, ou Agentes Accreditados nas Cortes de Cada huma das Altas Partes Contractantes: E qualquer favor que hum dos Dous Soberanos conceder a este respeito na Sua propria Corte, o Outro Soberano Se obriga a Conceder semelhantemente na Sua Corte.

ARTIGO XII.
Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal declara e se obriga no Seu proprio Nome, e no de Seus Herdeiros e Sucessores, a que os Vassallos de Sua Magestade Britannica residentes nos Seus Territorios, e Dominios não serão perturbados, inquietados, perseguidos, ou molestados por causa da Sua Religião, mas antes terão perfeita liberdade de Consciencia, e licença para assistirem, e celebrarem o Serviço Divino em honra do Todo Poderoso DEOS, quer seja dentro de suas Casas particulares, quer nas suas particulares Igrejas, e Capellas, que Sua Alteza Real agora, e para sempre, graciosamente lhe Concede a permissão de edificarem, e manterem dentro dos Seus Dominios. Com tanto porém que as Sobreditas Igrejas e Capellas serão construidas de tal modo que externamente se assemelhem a Casas de habitação; e tambem que o uso dos Sinos lhes não seja permitido para o fim de annunciarem publicamente as horas do Serviço Divino. De mais estipulou-se, que nem os Vassallos da Grande Bretanha, nem outros quaesquer Estrangeiros de Comunhão diferente da Religião Dominante nos Dominios de Portugal, serão perseguidos, ou inquietados por materias de Consciencia tanto nas Suas Pessoas, como nas Suas Propriedades, em quanto elles se conduzirem com Ordem, Decencia, e Moralidade, e de huma maneira conforme aos usos do Paiz, e ao Seu Estabelecimento Religioso, e Politico. Porem se se provar, que elles pregão ou declamão publicamente contra a Religião Catholica, ou que elles procurão fazer Proselytas, ou Conversões, as Pessoas que assim delinquirem poderáõ, manifestando-se o seu Delicto, ser mandadas sahir do Paiz, em que a Offensa tiver sido commetida. E aquelles que no Publico se portarem sem respeito, ou com impropriedade para com os Ritos e Ceremonias da Religião Catholica Dominante, serão chamados perante a Policia Civil, e poderáõ ser castigados com Multas, ou com prisão em suas proprias Casas. E se a Offença for tão grave, e tão enorme que perturbe a tranquillidade Publica, e ponha em perigo a segurança das Instituições da Igreja, e do Estado, estabelecidas pelas Leis, as Pessoas que tal Offença fizerem, havendo a devida prova do facto, poderáõ ser mandadas sahir dos Dominios de Portugal. Permitir-se-ha tambem enterrar os Vassallos de Sua Magestade Britannica, que morrerem nos Territorios de Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal, em convenientes Lugares, que serão designados para este fim. Nem se perturbaráõ de modo algum, nem por qualquer motivo, os Funeraes, ou as Sepulturas dos Mortos. Do mesmo modo os Vassallos de Portugal gozaráõ nos Dominios de Sua Magestade Britannica de huma perfeita, e ilimitada Liberdade de Consciencia em todas materias de Religião, conforme ao Systema de Tollerancia que se acha nelles estabelecido. Elles poderáõ livremente praticar os Exercicios da sua Religiao publica, ou particularmente nas suas proprias Casas de habitação, ou nas Capellas, e Lugares de Culto designados para este objecto, sem que se lhes ponha o menor obstaculo, embaraço, ou difficuldade alguma, tanto agora, como para o futuro.

ARTIGO XIII.
Conveio-se, e ajustou-se entre as Altas Partes Contractantes, que se estabeleceráõ Paquetes para o fim de facilitar o Serviço Publico das Duas Cortes, e as relações Commerciaes dos Seus respectivos Vassallos. Concluir-se-ha huma Convenção, sobre as Bases da que foi concluida no Rio de Janeiro aos quatorze de Setembro de mil oitocentos e oito, para determinar os termos sobre que se estabeleceráõ os referidos Paquetes; a qual Convenção será Ratificada ao mesmo tempo que o presente Tratado.

ARTIGO XIV.
Conveio-se e ajustou-se, que as Pessoas culpadas de Alta Traição, de Falsidade, e de outros Crimes de huma natureza odiosa, dentro dos Dominios de Qualquer das Altas Partes Contractantes, não serão admitidas nem receberáõ Protecção nos Dominios da Outra. E que Nenhuma das Altas Partes Contractantes receberá de proposito, e deliberadamente nos Seus Estados, e entreterá ao Seu Serviço Pessoas, que forem Vassallos da outra Potencia, que desertaram do Serviço Militar d'Ella, quer do Mar, quer de Terra, antes pelo contrario as dimittiráõ respectivamente do Seu Serviço, logo que assim forem requeridas. Mas conveio-se, e declarouse, que Nenhuma das Altas Partes Contractantes concederá a qualquer outro Estado favor algum a respeito de Pessoas que desertarem do Serviço d'aquelle Estado, que não seja considerado como concedido igualmente á Outra Alta Parte Contractante, do mesmo modo como se o referido favor tivesse sido expressamente estipulado pelo presente Tratado. De mais conveio-se, que nos casos de deserção de Moços ou Marinheiros das Embarcações pertencentes aos Vassallos de Qualquer das Altas Partes Contractantes, no tempo em que estiverem nos Portos da Outra Alta Parte, os Magistrados serão obrigados a dar efficaz assistencia para a sua aprehenção, sobre a devida Representação feita para este fim pelo Consul Geral, ou Consul, ou pelo seu Deputado, ou Representante; e que nenhuma Corporação Publica, Civil ou Religiosa, terá poder de proteger taes Desertores.

ARTIGO XV.
Todos os Generos, Mercadorias, e Artigos, quaesquer que sejão, da Producção, Manufactura, Industria, ou Invenção dos Dominios, e Vassallos de Sua Magestade Britannica, serão admittidos em todos, e em cada hum dos Portos, e Dominios de Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal, tanto na Europa, como na America, Africa, e Asia, quer sejão consignados a Vassallos Britannicos, quer a Portuguezes, pagando geral e unicamente Direitos de Quinze por Cento, conforme o valor que lhes for estabelecido pela Pauta, que na Lingoa Portugueza corresponde á Taboa de Avaliações, cuja principal Base será a Factura jurada dos sobredictos Generos, Mercadorias, e Artigos, tomando tambem em consideração (tanto quanto for justo e praticavel) o preço corrente dos mesmos no Paiz onde elles forem importados. Esta Pauta, ou Avaliação será determinada, e fixada por hum igual numero de Negociantes Britannicos, e Portuguezes, de conhecida inteireza, e honra, com a assistencia, pela parte dos Negociantes Britannicos, do Consul Geral, ou Consul de Sua Magestade Britannica, e pela parte dos Negociantes Portuguezes com a assistencia do Superintendente, ou Administrador Geral da Alfandega, ou dos seus respectivos Deputados. E a sobredita Pauta, ou Taboa de Avaliações se fará e promulgará em cada hum dos Portos, pertencentes a Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal, em que hajão, ou possão haver Alfandegas. Ella será concluida, e principiará a ter effeito logo que for possivel, depois da Troca das Ratificações do Presente Tratado, e com certeza dentro do espaço de tres mezes contados da data da referida Troca. E será revista, e alterada, se necessario for, de tempos a tempos, seja em sua totalidade, ou em parte, todas as vezes que os Vassallos de Sua Magestade Britannica residentes nos Dominios de Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal, assim hajão de requerer por via do Consul Geral, ou Consul de Sua Magestade Britannica, ou quando os negociantes Vassallos de Portugal fizerem a mesma requisição para este fim da sua propria parte.

ARTIGO XVI.
Porem, se durante o intervallo entre a Troca das Ratificações do Presente Tratado, e a promulgação da sobredita Pauta, alguns Generos, ou Mercadorias da Producção ou Manufactura dos Dominios de Sua Magestade Britannica entrarem nos Portos de Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal, Conveio-se que serão admittidos para o consumo pagando os referidos Direitos de Quinze por Cento, conforme o valor que lhes for fixado pela Pauta actualmente estabelecida, se elles forem Generos, e Mercadorias dos comprehendidos ou avaliados na Sobredita Pauta, e se não o forem (assim como se alguns Generos ou Mercadorias vierem para o futuro aos Portos dos Dominios Portuguezes, sem serem dos especificadamente avaliados em a Nova Tarifa, ou Pauta, que se ha de fazer em consequencia das Estipulações do precedente Artigo do Presente Tratado) serão igualmente admittidos pagando os mesmos Direitos de Quinze por Cento ad Valorem, conforme as Facturas dos ditos Generos e Mercadorias, que serão devidamente apresentadas, e juradas pelas Partes para as importarem. E no caso de suspeita de fraude, ou de illicita Pratica, as Facturas serão examinadas, e o valor real dos Generos e Mercadorias determinado pela Decisão de hum igual numero de Negociantes Portuguezes e Britannicos de conhecida inteireza e honra, e no caso de differença de opinião entre elles, seguida de huma igualdade de Votos sobre o objecto em questão, então elles nomearáõ outro Negociante igualmente de conhecida inteireza e honra, a quem se referirá ultimamente o Negocio, e cuja Decisão será terminante, e sem Apellação. E no caso que a factura pareça ter sido fiel, e correcta, os Generos e Mercadorias nella especificados serão admittidos pagando os Direitos acima mencionados de Quinze por Cento, e as Despezas, se as houver, do exame da Factura serão pagas pela Parte que duvidou da sua exactidão, e correcção. Mas se se achar que a Factura foi fraudulenta e illicita, então os Generos e Mercadorias serão comprados pelos Officiaes da Alfandega por Conta do Governo Portuguez segundo o valor especificado na Factura, com huma addição de Dez por Cento sobre a Somma assim paga pelos referidos Generos e Mercadorias pelos Officiaes da Alfandega, obrigando-se o Governo Portuguez ao pagamento dos Generos assim avaliados e comprados pelos Officiaes da Alfandega dentro do espaço de quinze dias: E as Despezas, se as houver, do exame da fraudulenta Factura serão pagas pela Parte, que a tiver apresentado como justa, e fiel.

ARTIGO XVII.
Conveio-se e ajustou-se, que osArtigos do Trem Militar e Naval importados nos Portos de Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal, e que o Governo Portuguez haja de querer para seu uso, serão pagos logo pelos preços estipulados pelos Proprietarios, que não serão constragidos a vende-los debaixo de outras condições. De mais estipulou-se, que, se o Governo Portuguez tomar a seu proprio cuidado, e guarda alguma Carregação, ou parte de huma Carregação com vistas de a comprar, ou para outro qualquer fim, o dito Governo Portuguez será responsavel por qualquer perda, e damnificação que ella possa soffrer, em quanto estiver ao cuidado e guarda dos Officiaes do referido Governo Portuguez.

ARTIGO XVIII.
Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal Ha por bem conceder aos Vassallos da Grande Bretanha o Privilegio de serem Assignantes para os Direitos, que hão de pagar nas Alfandegas dos Dominios se Sua Alteza Real, debaixo das mesmas Condições, e dando as mesmas Seguranças, que se exigem dos Vassallos de Portugal. E por outra Parte conveio-se e estipulou-se, que os Vassallos da Corôa de Portugal receberáõ, tanto quanto possa ser justo ou legal, o mesmo favor nas Alfandegas da Grande Bretanha, que se conceder aos Vassallos Naturaes de Sua Magestade Britannica.

ARTIGO XIX.
Sua Magestade Britannica pela sua Parte, e em Seu proprio Nome, e no de Seus Herdeiros e Sucessores promette, e se obriga a que todos os Generos, Mercadorias, e Artigos quaesquer da Producção, Manufactura, Industria, ou Invenção dos Dominios ou dos Vassallos de Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal serão recebidos e admittidos em todos e em cada hum dos Portos, e Dominios de Sua Magestade Britannica, pagando geral e unicamente os mesmos Direitos, que pagão pelos mesmos Artigos os Vassallos da Nação mais favorecida. E fica expressamente declarado, que se se fizer algumaReducção de Direitos exclusivamente em favor dos Generos e Mercadorias Britannicas importadas nos Dominios de Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal, far-se-ha huma equivalente Reducção sobre os Generos e Mercadorias Portuguezas importadas nos Dominios de Sua Magestade Britannica, e Vice Versa. Os Artigos sobre que se deverá fazer huma semelhante equivalente Reducção, serão determinados por hum previo Concerto, e Ajuste entre as Duas Altas Partes Contractantes. Fica entendido, que qualquer semelhante Reducção assim concedida por Huma das Altas Partes á Outra, o não será depois (excepto nos mesmos termos, e com a mesma compensação) em favor de algum outro Estado, ou Nação qualquer que for. E esta Declaração deve ser considerada como reciproca da Parte das Duas Altas Partes Contractantes.

ARTIGO XX.
Mas como ha alguns Artigos da Creação, e Producção do Brazil, que são excluidos dos Mercados, e do Consumo interior dos Dominios Britannicos, taes como o Açucar, Café, e outros Artigos, semelhantes ao producto das Colonias Britannicas; Sua Magestade Britannica querendo favorecer, e proteger (quanto he possivel) o Commerciodos Vassallos de Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal, consente, e permitte, que os ditos Artigos, assim como todos os outros da Creação, e Producção do Brazil, e de todas as outras partes do Dominios Portuguezes, possão ser recebidos, e guardados em Armazens em todos os Portos dos Seus Dominios, que forem designados por Lei por "Warehousing Ports" para semelhantes Artigos, a fim de serem re-exportados, debaixo da devida Regulação, isentos dos maiores Direitos, com que serião carregados se fossem destinados para o Consumo dentro dos Dominios Britannicos, e sómente sujeitos aos Direitos reduzidos, e despezas de reexportação, e guarda nos Armazens.

ARTIGO XXI.
Do mesmo modo não obstante o geral Privilegio de admissão concedido no Decimo quinto Artigo do presente Tratado por Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal a favor de todos os Generos e Mercadorias da Produção, e Manufactura dos Dominios Britannicos; Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal Se reserva o Direito de impôr pezados e até prohibitivos Direitos sobre todos os Artigos conhecidos pelo Nome de Generos das Indias Orientaes Britannicas, e de Produções das Indias Occidentaes, taes como o Açucar, e Café, que não podem ser admittidos para o Consumo nos Dominios Portuguezes, por cauza do mesmo Principio de Policia Colonial, que impede a livre admissão nos Dominios Britannicos de correspondentes Artigos da Produção do Brazil. Porém Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal consente, que todos os Portos dos Seus Dominios, onde hajão, ou possão haver Alfandegas, sejão Portos Francos para a recepção e admissão dos Artigos quaesquer da Produção ou Manufactura dos Dominios Britannicos, não destinados para o Consumo do Lugar em que possão ser recebidos, ou admittidos, mas para serem re-exportados tanto para outros Portos dos Dominios de Portugal, como para os de outros Estados. E os Artigos assim admittidos, e recebidos, sujeitos ás devidas Regulações, serão isentos dos Direitos maiores, com que haverião de ser carregados, se fossem destinados para o Consumo do Lugar em que possão ser descarregados, ou depositados em Armazens, e obrigados sómente ás mesmas Despezas, que houverem de ser pagas pelos Artigos de Produção do Brazil, recebidos e depositados em Armazens para a re-exportação, nos Portos dos Dominios de Sua Magestade Britannica.

ARTIGO XXII.
Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal a fim de facilitar, e animar o legitimo Commercio não sómente dos Vassallos da Grande Bretanha, mas tambem dos de Portugal, com outros Estados adjacentes aos Seus proprios Dominios; e tambem com vistas a augmentar, e segurar aquella parte de Sua propria Renda, que he derivada da percepção dos Direitos de Porto Franco sobre as Mercadorias, Ha por bem declarar o Porto de Santa Catharina por Porto Franco, conforme os termos mencionados no precedente Artigo do Presente Tratado.

ARTIGO XXIII.
Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal desejando estabelecer o Systema de Commercio, annunciado pelo Presente Tratado sobre as Bases as mais extensas, Ha por bem aproveitar a opportunidade que elle Lhe offerece, de publicar a determinação anteriormente concebida no Seu Real Entendimento de fazer Goa Porto Franco, e de permittir n'aquella Cidade, e suas Dependencias a livre Tolerancia de todas quaesquer Seitas Religiosas.

ARTIGO XXIV.
Todo o Commercio com as Possessões Portuguezas situadas sobre a Costa Oriental do Continente de Africa (em Artigos não incluidos nos Contractos exclusivos possuidos pela Corôa de Portugal) que possa ter sido anteriormente permittido aos Vassallos da Grande Bretanha, lhes he confirmado, e assegurado agora, e para sempre, do mesmo modo que o Commercio, que tinha atéqui sido permittido aos Vassallos Portuguezes nos Portos e Mares da Asia, lhes he confirmado, e assegurado em virtude do Sexto Artigo do Presente Tratado.

ARTIGO XXV.
Porém de ordem a dar o devido effeito ao Systema de perfeita Reciprocidade, que as Duas Altas Partes Contractantes desejão estabelecer por Base das suas mutuas Relações, Sua Magestade Britannica consente em ceder do Direito de crear Feitorias ou Corporações de Negociantes Britannicos, debaixo de qualquer nome, ou descripção que for, nos Dominios de Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal, com tanto porem que esta Condescendencia com os desejos de Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal não prive os Vassallos de Sua Magestade Britannica, residentes nos Dominios de Portugal, de gozarem plenamente como Individuos Commerciantes, de todos aquelles Direitos e Privilegios, que possuião ou podião possuir como Membros de Corporações Commerciaes, e igualmente que o Trafico e o Commercio feito pelos Vassallos Britannicos não será restringido, embaraçado, ou de outro modo affectado por alguma Companhia Commercial, qualquer que seja, que possua Privilegios, e Favores exclusivos nos Dominios de Portugal: E Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal tambem Se obriga a não consentir, nem permittir, que alguma outra Nação possua Feitorias, ou Corporações de Negociantes nos Seus Dominios, em quanto senão estabelecerem nelles Feitorias Britannicas.

ARTIGO XXVI.
As Duas Altas Partes Contractantes convem, em que Ellas procederáõ logo á Revisão de todos os outros antigos Tratados subsistentes entre as Duas Corôas, a fim de determinarem, quaes das Estipulações das que elles contem, devem ser continuadas, ou renovadas no presente estado das cousas. Conveio-se com tudo e declarou-se que as Estipulações conteudas nos antigos Tratados, relativamente á admissão dos Vinhos de Portugal de huma parte, e dos Pannos de Lãa da Grande Bretanha de outra, ficaráõ por ora sem alteração. Do mesmo modo conveio-se, que os Favores, Privilegios, e Inmunidades concedidas para cada huma das Altas Partes Contractantes aos Vassallos da Outra, tanto por Tratado, como por Decreto, ou Alvará, ficaráõ sem alteração; á excepção da faculdade concedida por antigos Tratados, de conduzir em Navegação de hum dos dous Estados, Generos e Mercadorias de qualquer qualidade pertencentes aos Inimigos do Outro Estado, a qual facilidade he agora publica e mutuamente renunciada e abrogada.

ARTIGO XXVII.
A reciproca Liberdade de Commercio e Navegação declarada, e annunciada pelo Presente Tratado será considerada extender-se a todos os Generos e Mercadorias quaesquer, á excepção d'aquelles Artigos de Propriedade dos Inimigos de Huma ou Outra Potencia, ou de Contrabando de Guerra.

ARTIGO XXVIII.
Debaixo da denominação de Contrabando, ou Artigos proibidos se comprehenderáõ não sómente Armas, Peças de Artilharia, Arcabuzes, Morteiros, Petardos, Bombas, Granadas, Salchichas, Carcassas, Carretas de Peças, Arrimos de Mosquetes, Bandolas, Polvora, Mechas, Salitre, Ballas, Piques, Espadas, Capacetes, Elmos, Couraças, Alabardas, Azagayas, Coldres, Boldriés, Cavallos, e Arreios; mas tambem em geral todos os outros Artigos, que possão ter sido especificados como Contrabando em quaesquer precedentes Tratados concluidos por Portugal, ou Grande Bretanha, com outras Potencias. Porém Generos que não tenhão sido fabricados em fórma de Instrumentos de Guerra, ou que não possão vir a se-lo, não serão reputados de Contrabando; e muito menos aquelles que já estão fabricados e destinados para outros fins, os quaes todos não serão julgados de Contrabando, e poderáõ ser levados livremente pelos Vassallos de Ambos os Soberanos mesmo a Lugares pertencentes a hum Inimigo, á excepção sómente d'aquelles Lugares que estão sitiados, bloqueados, ou investidos por Mar, ou por Terra.

ARTIGO XXIX.
No caso de algumas Embarcações ou Navios de Guerra, ou Mercantes venhão a naufragar nas Costas dos Dominios de Qualquer das Altas Partes Contractantes, todas as porções das referidas Embarcações ou Navios, ou de armação e pertences das mesmas, assim como dos Generos e Fazendas que se salvarem, ou o producto dellas, serão fielmente restituidos logo que seus Donos, ou seus Procuradores legalmente authorisados, os reclamarem; pagando sómente as Despezas feitas na arrecadação dos mesmos Generos, conforme o Direito de Salvação ajustado entre Ambas as Altas Partes; exceptuando ao mesmo tempo os Direitos e Costumes de cada Nação, de cuja abolição, ou modificação se tratará com tudo no caso de serem contrarios ás Estipulações do presente Artigo; e as Altas Partes Contractantes interporáõ mutuamente a Sua Authoridade, para que sejão punidos severamente aquelles dos Seus Vassallos, que se aproveitarem de semelhantes desgraças.

ARTIGO XXX.
Conveio-se mais, para maior segurança e liberdade do Commercio, e da Navegação, que tanto Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal, como Sua Magestade Britannica, não só recusarão receber quaesquer Piratas, ou Ladrões do Mar em qualquer dos Seus Portos, Surgidouros, Cidades, e Villas, ou permittir que alguns dos Seus Vassallos, Cidadãos, ou Habitantes os recebão, ou protejão nos Seus Portos, os agazalhem nas suas Casas, ou lhes assistão de alguma maneira; mas tambem mandaráõ, que esses Piratas, e Ladrões do Mar, e as Pessoas que os receberem, acoutarem, ou ajudarem, sejão castigadas convenientemente para terror e exemplo dos outros. E todos os seus Navios com os Generos, e Mercadorias que tiverem tomado, e trazidos aos Portos pertencentes a Qualquer das Altas Partes Contractantes, serão aprezados onde forem descobertos, e serão restituidos aos Donos, ou a seus Procuradores devidamente authorisados, ou delegados por elles por escripto; provando-se previamente, e com evidencia a Identidade da Propriedade, mesmo no caso que semelhantes Generos tenhão passado a outras mãos por meio de Venda, huma vez que se souber que os Compradores sabião, ou podião ter sabido, que taes Generos foram tomados piraticamente.

ARTIGO XXXI.
Para a segurança futura do Commercio e Amizade entre os Vassallos de Sua Alteza Real O Principe Regente, e de Sua Magestade Britannica, e a fim de que esta mutua boa intelligencia possa ser preservada de toda a interrupção, e disturbio, conveio-se, e ajustou-se que se em algum tempo se suscitar qualquer desintelligencia, quebrantamento de Amizade, ou rompimento entre as Corôas das Altas Partes Contractantes, o que DEOS não permitta (o qual rompimento só se julgará existir depois do Chamamento, ou Despedida dos respectivos Embaixadores e Ministros) os Vassallos de Cada huma das Duas Partes, residentes nos Dominios da Outra, terão o Privilegio de ficar, e continuar nelles o seu Commercio sem interrupção alguma, em quanto se conduzirem pacificamente, e não commetterem Offensa contra as Leis, e Ordenações; e no caso que a sua Conducta os faça suspeitos, e os respectivos Governos sejão obrigados a manda-los sahir, se lhes concederá o termo de hum anno para esse fim, em ordem a que elles se possão retirar com os seus Effeitos e Propriedade, quer estajão confiadas a Individuos Particulares, quer ao Estado. Deve porem entender-se que este favor senão estende áquelles que tiverem de algum modo procedido contra as Leis estabelecidas.

ARTIGO XXXII.
Concordou-se e foi estipulado pelas Altas Partes Contractantes, que o Presente Tratado será illimitado em quanto á sua duração; que as Obrigações, e Condições expressadas e conteudas nelle serão perpetuas, e inmutaveis; e que não serão mudadas, ou alteradas de modo algum no caso que Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal, Seus Herdeiros, ou Successores tornem a estabelecer a Séde da Monarchia Portugueza nos Dominios Europeos desta Corôa.

ARTIGO XXXIII.
Porém as duas Altas Partes Contractantes Se reservão o Direito de juntamente examinarem, e reverem os differentes Artigos deste Tratado no fim do termo de Quinze annos contados da dada da Troca das Ratificações do mesmo; e de então proporem, discutirem, e fazerem aquellas emendas, ou addições que os verdadeiros interesses dos Seus respectivos Vassallos possão parecer requerer. Fica poréem entendido que qualquer Estipulação, que no periodo da Revisão do Tratado for objectada por Qualquer das Altas Partes Contractantes, será considerada como suspendida no seu effeito, até que a discussão relativa a esta Estipulação seja terminada, fazendo-se previamente saber á outra Alta Parte Contractante a intentada suspensão da tal Estipulação, a fim de evitar a mutua disconveniencia.

ARTIGO XXXIV.
As differentes Estipulações e Condições do Presente Tratado principiaráõ a ter effeito desde a data da sua Ratificação por Sua Magestade Britannica, e a mutua Troca das Ratificações se fará na Cidade de Londres dentro do espaço de quatro mezes, ou mais breve se for possivel, contados do dia da Assignatura do Presente Tratado.

Em testemunho do que, Nós abaixo Assignados, Plenipotenciaros de Sua Alteza Real O Principe Regente de Portugal, e de Sua Magestade Britannica, em virtude dos nossos respectivosbPlenos Poderes, Assignámos o Presente Tratado com nossos punhos, e lhe fizemos pôr o Sello das nossas Armas.

Feito na Cidade do Rio de Janeiro áos Desanove de Fevereiro no Anno de Nosso Senhor JESU CHRISTO de Mil Oitocentos e Dez.

Assignado
(L. S.) Conde de Linhares,
(L. S.) Strangford.

Fonte:
PORTUGAL. Colecção das Leis do Brasil de 1810. Carta de Lei de 26 de fevereiro de 1810. Ratifica o Tratado de commercio e navegação entre o Principe Regente de Portugal e ElRei do Reino Unido da Grande Bretanha e Irlanda assignado no Rio de Janeiro aos 18 deste mez e anno.

Ver também:
Crítica Antecipada.