segunda-feira, 10 de março de 2008

Carta Régia da Abertura dos Portos - 1808

Paulo Werneck

Carta Régia de 28 de janeiro de 1808, do Príncipe Regente D. João, que abriu os portos do Brasil ao comércio com as nações amigas.







Conde da Ponte, do Meu Conselho, Governador, Capitão General da Capitania da Bahia, Amigo. Eu o PRINCIPE REGENTE vos Envio muito saudar, como aquelle que Amo. Attendendo á representação, que fizestes subir á Minha Real Presença, sobre se achar interrompido, e suspenso o Commercio desta Capitania com grave prejuizo dos Meus Vassallos, e da minha Real Fazenda em razão das criticas, e publicas circunstancias da Europa; e Querendo dar sobre este importante objecto alguma providencia prompta, e capaz de melhorar o progresso de taes damnos: Sou Servido Ordenar interina, e provisoriamente, em quanto não Consolido um Systema geral, que effectivamente regule semelhantes materias, o seguinte. Primo: Que sejão admissiveis nas Alfandegas do Brazil todos, e quaesquer Generos, Fazendas e Mercadorias transportados ou em Navios Estrangeiros das Potencias, que se conservão em Paz, e Harmonia com a Minha Real Coroa, ou em Navios dos Meus Vassallos, pagando por entrada vinte e quatro por cento; a saber: vinte de Direitos grossos, e quatro do Donativo já estabelecido, regulando-se a cobrança destes direitos pelas Pautas, ou Aforamentos, por que até o presente se regulão cada huma das ditas Alfandegas, ficando os Vinhos, e Aguas Ardentes, e Azeites doces, que se denominão Molhados, pagando o dobro dos Direitos, que até agora nellas satisfazião. Secundo: Que não só os Meus Vassallos, mas tambem os sobreditos Estrangeiros possão exportar para os Portos, que bem lhes parecer a beneficio do Commercio, e Agricultura, que tanto Desejo promover, todos e quaesquer Generos, e Produções Coloniaes, á excepção do Páo Brazil, ou outros notoriamente estancados, pagando por sahida os mesmos Direitos já estabelecidos nas respectivas Capitanias, ficando entre tanto como em suspenso, e sem vigor todas as Leis, Cartas Regias, ou outras Ordens, que até aqui prohibião neste Estado do Brazil o reciproco Commercio, e Navegação entre os Meus Vassallos, e Estrangeiros. O que tudo assim fareis executar com o zelo, e actividade, que de vós espero. Escrita na Bahia aos vinte e oito de Janeiro de mil oitocentos e oito. = PRINCIPE. = Para o Conde da Ponte.

Comentários

Note-se, em primeiro lugar, que a leitura do texto oitocentista, com duzentos anos de idade, é ainda fácil, contendo relativamente poucas alterações em relação ao Português atual. 

Fartura de vírgulas e maiúsculas, a crase assinalada pelo acento agudo, a avareza de outros acentos, são algumas dessas alterações.

Talvez a que cause mais estranheza seja o uso de uma grafia especial para a letra "s", em algumas situações, que se parecia com um "f" mais suave, conforme pode ser visto ampliando-se o documento original.

Outro ponto curioso é que, em certos casos, a grafia daquele tempo era a contemporânea, como em "objeto", que veio a ganhar um "c", tornando-se "objecto", votando a perdê-lo posteriormente na nossa grafia, mantendo-se todavia na portuguesa.

Quanto ao documento propriamente dito, trata-se de uma carta régia, ou seja, de uma carta enviada como ordem, pelo rei a alguma autoridade, o que mais tarde veio a ser popularizado, durante breve tempo, pelo presidente Jânio Quadros e seus famosos bilhetinhos.

As cartas régias eram fonte de lei, assim como os alvarás e os decretos. Apesar de relativamente pouco usadas, não chegavam a ser exceções.

Sendo carta, possuía destinatário, João de Saldanha da Gama Mello e Torres, sexto conde da Ponte, governador da Bahia.

Dom João era príncipe regente e governava Portugal no lugar de sua mãe, a rainha Dona Maria, que estava louca. Costumava tomar conselho antes de decidir, ouvindo alguns nobres, entre os quais se incluíam Antonio de Araujo Figueiredo, Conde da Barca, francófilo, e Rodrigo de Sousa Coutinho, Conde de Linhares, anglófilo.

O Conde da Ponte não fazia parte desse grupo, pelo menos naquele momento, eis que residia no Brasil e a Corte, até aquele momento, ficava em Portugal.

Quanto ao mérito, a carta régia opera em duas frentes: do ponto de vista comercial, liberalizando o comércio; do ponto de vista tributário, estabelece, ou consolida, os gravames aduaneiros a serem aplicados às mercadorias importadas e exportadas.

Antes da carta, as mercadorias oriundas do Brasil deveriam ser transportadas em navios portugueses para Lisboa, e vice versa. Com a carta régia as duas exigências são abolidas: Lisboa, sob domínio francês, não podia mais concentrar o comércio dos Brasis, e Portugal não podia, sozinho, proteger seus navios mercantes.

Diz-se que as nações amigas reduziam-se à Grã-Bretanha. Não é verdade. Os Estados Unidos, por exemplo, já independente, estava em paz com Portugal. Entretanto, dada a situação conturbada da Europa e as ligações estreitas com aquele reino, o grande beneficiário, naquele momento, era a Grã-Bretanha.

Quanto aos gravames aduaneiros, temos que considerar inicialmente sua fórmula de cálculo: eram ad valorem, ou seja, calculados sobre o valor das mercadorias, mas esse valor era arbitrado, estando registrado nas Pautas, isto é, em listas de mercadorias, escritas em ordem alfabética, a cada mercadoria associado o valor do tributo a ser cobrado.

Na entrada a alíquota ficou sendo de 24%, sendo 20% de direitos grossos e 4% de donativos, que, apesar do nome, eram obrigatórios. Os molhados (vinhos, aguardentes, azeites) passaram a pagar o dobro do que antes (quanto?).

Na saída, os gravames permaneceram como estavam, bem como os estancos, ou seja, monopólios de exportações concedidos pelo Rei a particulares, como no caso citado do pau-brasil, mas não só.

Veja também neste blog

Direitos Aduaneiros em 1808
Comércio com a Suécia

Referências

PORTUGAL. Carta Régia de 28 de janeiro de 1808. Carta Regia ao Conde da Ponte: Abrindo os Portos do Brazil ao Commercio directo Estrangeiro sem excepção de Fazendas ... In: PORTUGAL. na Collecção das leis, alvarás, decretos, cartas régias, &c. promulgadas no Brasil desde a feliz chegada do príncipe regente N. S. a estes estados com hum índice chronologico. Tomo I. Rio de Janeiro: Impressão Régia, [1811-1822]. Disponível em www.brown.edu/Facilities/John_Carter_Brown_Library/CB/1808_docs/L01_p01.html. Acesso em: 15 fev. 2008.