sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Fake Olds IV - Discriminação

Paulo Werneck


Domenico Failutti: Maria Quitéria, alferes
Fonte: Wikipedia

Mais um comentário. Lima registra que "a carta régia de 1724 vedou as promoções acima de alferes aos brasileiros".

Apesar de ainda não ter sido identificado o livro citado por Brito, há um artigo de Marcondes de Souza, "A monomania invade o campo sereno da História", em que está escrito:
Ordem Régia de 19 de fevereiro de 1724, determinando que as promoções de alferes para cima fôssem feitas por el-Rei, não podendo aproveitar as mesmas aos filhos do Brasil.
Uma consulta ao buscador do "O Governo dos Outros", com o ano de 1724 e a palavra alferes resulta em nenhum resultado.

É difícil provar que essa Ordem Régia nunca existiu, mas os indícios levam a deduzir tratar-se de uma ficção, ou talvez de uma interpretação apressada, por exemplo se a dita cuja houver sido escrita visando uma dada pessoa que tenha merecido a real atenção de limitar-lhe os horizontes...

Vejamos o que diz Brito a respeito do assunto:
"AVISO RÉGIO DE 27 DE JANEIRO DE 1726, ESTABELECENDO INIQUAS RESTRIÇÕES AOS MESTIÇOS, QUE NÃO PODIAM OCUPAR CARGOS PÚBLICOS OU CASAR COM BRANCOS" - O rei jamais proibiu casamentos entre mestiços no Estado do Brasil. Leia-se êste alvará de 4 de abril de 1775 declarando: "no interêsse do povoamento (e não colonização) dos domínios portuguêses na América que os seus vasalos de Portugal e da América, que casarem com índias delas não ficam com infâmia alguma, antes se farão dignos da real atenção e que nas terras onde se estabelecerem serão preferidos para aqueles lugares e ocupações que couberem na graduaçáo das pessoas e que seus filhos e descendentes serão hábeis e capazes de qualquer emprego, honra e dignidade. Proibe que os ditos vassalos casados com índias ou seus descendentes sejam tratados com o nome de caboclos ou de outro semelhante que possa ser injurioso". (J. P. Xavier de Miranda, Efemérides Mineiras, Vol. 1, p.p. 16-17). Até mulheres podiam ser nomeadas para cargos públicos, conforme documento registrado no livro 3.º de registros da Secretaria do Estado do Brasil, na Bahia, a 19 de maio de 1692 (Documentos Históricos - Biblioteca Nacional - Vol. 30, pg. 286).
Continua Brito, apresentando argumentos baseados em casos concretos e indiscutíveis:
Matias de Albuquerque, nascido em Olinda, foi governador do Estado do Brasil, comandou as tropas luso-brasileiras contra a invasão holandesa, tendo recebido o título de Conde de Alegrete. Seu antepassado, o mameluco Jerônimo de AIbuquerque Maranhão, organizou e comandou as tropas que expulsaram em 1614 os franceses do Maranhão. Outro mameluco, André Vidal de Negreiros, nascido na Paraíba, herói das lutas pela expulsão dos holandeses de Pernambuco, foi governador do reino de Angola e de várias capitanias no Estado do Brasil.

José Bonifácio, santista, foi pensionista da Coroa Portuguêsa para estudar siderurgia em Universidades européias: lente da Universidade de Coimbra e longa seria a lista de nascidos na Estado do Brasil em posição de destaque como funcionários da Coroa Portuguêsa, se houvesse espaço para tanto.
O alvará citado por Brito está publicado na Collecção da Legislação Portugueza de António Delgado da Silva:
EU ELREI Faço saber aos que este Meu Alvará de Lei virem, que considerando o quanto convém, que 0s Mens Reaes dominios da America se povoem, e que para este fim póde concorrer muito a communicução com os Indios, por meio de casamentos: Sou Servido declarar, que os Meus Vassallos deste Reino, e da America, que casarem c0m as Indias della, nã0 ficão com infamia alguma, antes se farão dignos da Minha Real attenção, e que nas terras, em que se estabelecerem, serão preferidos para aquelles lugares, e occupações, que couberem na graduação das suas pessoas, e que seus filhos, e descendentes serão habeis, e capazes de qualquer emprego, honra, ou Dignidade, sem que necessitem de dispensa alguma, em razão destas alianças, em que serão tambem comprehendidas as que já se acharem feitas antes desta Minha declaração: E outro sim prohibo, que os ditos Meus Vassallos casados com as Indias, ou seus descendentes, sejão tratados com o nome de Caboucolos, ou 0utro semelhante, que possa ser injurioso; e as pessoas de qualquer condição, ou qualidade, que praticarem o contrario, sendo-lhes assim legitimamente provado perante os Ouvidores das Comarcas, em que assistirem, serão por sentença destes, sem appellação, nem aggravo, mandados sahir da dita Comarca dentro de hum mez, até mercê Minha; o que se executará sem falta alguma, tendo porém os Ouvidores cuidado em examinar a qualidade das provas, e das pessoas, que jurarem nesta materia, para que se não faça violencia, ou injustiça com este pretexto, tendo entendido, que só hão de admittir queixa de injuriado, e não de outra pessoa: O mesmo se praticará a respeito das Portuguezas, que casarem com Indios: e a seus filhos, e descendentes, e a todos concedo a mesma preferencia para os Officios, que houver nas terras, em que viverem; e quando succeda, que os filhos, ou descendentes destes matrimonios tenhão algum requerimento perante mim, Me farão a saber esta qualidade, para em razão della mais particularmente os attender. E ordeno que esta Minha Real resolução se observe geralmente em todos os Meus dominios da America. Pelo que: Mando ao Vice-Rei, e Capitão General de mar, e terra do Estado do Brazil, Capitães Generaes, e Governadores do Estado do Maranhão, e mais Conquistas do Brazil, Capitães Móres dellas, Chancelleres, e Desembargadores das Relações da Bahia, e Rio de Janeiro, Ouvidores geraes das Comarcas, Juizes de Fóra, e Ordinarios, e mais Justiças dos referidos Estados, cumprão, e guardem o presente Alvará de Lei, e o fação cumprir, e guardar na fórma que nelle se contém, 0 qual valerá como Carta posto que seu effeito haja de durar mais de hum anno, e se publicará nas ditas Comarcas, e em Minha Chancellaria Mór da Corte, e Reino, onde se registará, como tambem nas mais partes, em que semelhames Alvarás se costumão registar; e o proprio se lançará na Torre do T ombo. Lisboa 4 de Abril de 1755. = Com a Assignatura de ElRei, e a do Marquez de Penalva Presidente.

Regist. na Chancellaria Mór da Corte, e Reino no Livro das Leis, a fol. 83, e impr. avulso.
O documento registrado a 19 de maio de 1692, também citado por Brito, está efetivamente publicado em Documentos Históricos e segue transcrito:
Registo do Alvará por que Sua Magestade faz mercê a D. Antonia de Faria do officio de Escrivão dos Contos desta cidade da Bahia que vagou por fallecimento de Balthazar Fernandes Gago de quem não ficaram filhos para a pessoa que com ella casar sendo capaz delle, e que não sendo se proverá na pessoa digo a propriedade na pessoa que o for.

Eu El-Rei. Faço saber aos que este meu Alvará virem que tendo respeito a haver feito mercê a D. Antonio de Faria por Portaria de 24 de Novembro de 690 em satisfação dos serviços de seu Pae Capitão Antonio de Faria Monteiro obrados desde 11 de Março de 641 até 23 de Setembro de 683. de 25$000 effectivos, em um dos Almoxarifados do Reino em que coubesse sem prejuízo de terceiro, e não fosse prohibido dos quaes lograria 12 (sic) a pessoa com que casasse a titulo de habito de Assis, ou S. Thiago, qual escolhesse que lhe mandaria lançar, da qual mercê fez a D. Antonia de Faria deixação, e a lhe pertencer por sentença do Juizo das Justificações a acção dos serviços de seu Irmão Antonio Monteiro de Faria por lhos haver renunciado por uma escriptura seu Irmão Thomé Monteiro de Faria a quem estavam julgados os mesmos serviços continuados na cidade da Bahia por espaço de 17 annos 1 mez e 14 dias effectivos desde 16 de Setembro de 660 até 30 de Outubro de 683 havendo-se com bom procedimento, e zelo do meu serviço e principalmente na oceasião em que houve aviso passava a Bahia.... Armada Hollandeza trabalhando por espaço de 8 mezes na reedificação das trincheiras roçando o matto, e carregando toras, e ultimamente não faltar a sua obrigação quanto tocou a sua obrigação digo a sua companhia no encher de terra a camisa de uma Casa Forte, e Armazem que edificou o Mestre de Campo General Roque da Costa Barreto Governador do Estado do Brasil em satisfação dos referidos serviços, e deixação que fez da mercê com que estava deferida pelos do dito seu pae, Hei por bem fazer mercê á dita D. Antonia de Faria do officio de Escrivão dos Contos desta cidade da Bahia, que vagou por fallecimento de Balthazar Fernandes Gago de quem não ficaram filhos para a pessoa que com ella casar, sendo capaz delle, e não o sendo se proverá a propriedade na pessoa que o for, de que na Portaria que se lhe havia passado, e em seu registo se porão verbas. Pelo que mando ao Presidente e Conselheiros do meu Conselho Ultramarino que a pessoa que com este lhe apresentar sentença de justificação por que conste estar casado em face da Igreja com a dita D. Antonia de Faria, e sendo capaz, lhe façam passar carta da propriedade do dito offico na qual se trasladará este Alvará que cumprirá inteiramente como nelle se contém sem duvida alguma e valerá como Carta sem embargo da Ordenação do livro l titulo 40 em contrario, e se passou por 2 vias, e pago#S novo direito 30 reis que se carregaram ao Thesoureiro. João Ribeiro Cabral a fls. &*¦ verso como constou de um conhecimento em forma registado no Registo Geral a fls. 120. Manuel Pinheiro da Fonseca a fez em Lisboa a 4 de Marco de 692. O Secretario André Lopes de Lavra a fiz escrever. Rei. Alvará por que Vossa Magestade faz mercê a D. Antonia de Faria do oificio de Escrivão dos Contos da cidade da Bahia que vagou por fallecimento de Balthazar Fragoso digo Fernandes Gago de quem não ficaram filhos, para a pessoa que com ella casasse sendo capaz delle, e que não o sendo se proverá a propriedade na pessoa que o for como nelle se declara que vae por duas vias. Para Vossa Magestade ver. Primeira via. Por resolução de Sua Magestade de 11 de Julho de 691, e 29 de Fevereiro de 692, em consulta do Conselho Ultramarino de 31 de Maio de 691, e 26 de Fevereiro de 1692, pagou 300 reis. João de Rochas e Azevedo. Antônio Paes de Sande. Tristão Guedes de Queiroz. Pagou 30 reis, e aos officiaes 210 reis. Lisboa 18 de Março de 1692. D. Francisco Maldonado. Registado na Chancellaria-mor da Côrte e Reino no livro de officios e mercês a fls. 29. Lisboa 18 de Março de 1692. Innocencio Corrêa de Moura. Fica assentado este Alvará nos livros das mercês, e pagou 100 reis. Amaro Nogueira de Andrade. Registado nos livros de officios da Secretaria do Conselho Ultramarino a fl.s 180 em Lisboa 21 de Março de 1692. André Lopes de Lavra. Cumpra-se como El-Rei meu Senhor manda, e registe-se nos livros da Secretaria do Estado, e nos mais a que tocar. Bahia 19 de Maio de 1692. Antônio Luiz Gonçalves da Camara Coutinho. Registado no livro 3° dos registos da Secretaria do Estado do Brasil a que toca a fls. 195. Bahia 19 de Maio de 1692. Bernardo Vieira Ravasco. Registe-se. Bahia 23 de Maio de 1692. Francisco Lamberto. Registou-se em 28 do dito mez e anno acima.

Francisco Dias do Amaral
Não causa surpresa o alvará iníquo não ter sido localizado, nem na Internet, nem nos inúmeros livros antigos de legislação disponíveis virtualmente em nossa biblioteca. Mas, evidentemente, não podemos afirmar com certeza não ter existido.

Fontes:

BRASIL, Bibliotheca Nacional. Documentos Históricos. Volume 30:- 1690 - 1693, Provisões, Patentes, Alvarás, páginas 286 a 288. Rio de Janeiro: Typographia Arch. de Hist. Brasileira, 1985.

BRITO, Luiz Tenório de. Prometi. Aqui Estou. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, Volume LIX, paginas 59 a 70.

LIMA, Heitor Ferreira (1905-1989). História do pensamento econômico no Brasil, página 71. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976.

MARCONDES DE SOUZA, Thomaz Oscar. A Monomania Invade o Campo Sereno da História, in Revista de História da USP, volume 16, número 33, páginas 95 a 102, disponível em "https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/106627".

SILVA, António Delgado da. Collecção da Legislação Portugueza desde a última Compilação das Ordenações. Legislação de 1750 a 1762. Páginas 367 e 368. Lisboa: Typografia Maigrense, 1830.
domingo, 26 de agosto de 2018

Fake Olds III - Sabão

Paulo Werneck


Tommaso Garzoni (1641): Caldeira de Sabão
Fonte: Wiki

Continuando os comentários sobre as normas que teriam sido publicadas pelo governo do Reino de Portugal para inibir o desenvolvimento do Estado do Brasil, ou, como querem, da colônia atlântica, abordaremos a questão da fabricação do sabão. Registrou Ferreira Lima que não era permitido o fabrico de sabão no Brasil ("o alvará de 5 de fevereiro de 1767 impediu a fabricação de sabão;"). A resposta de Brito ao texto que não nomeou, mas sobre esse exato tema, foi:
"AVISO DE 14 DE SETEMBRO DE 1725, ordenando não se introduzir na Capitania do Rio de Janeiro o sabão, o povo acabou fabricando-o, ver, adiante, a ordem proibindo êsse fabrico"

O primeiro contrato de sabão foi feito cerca de 1625, um século antes da prohibição. Por êle, o rei de Portugal concedeu a faculdade de ter fábricas na Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro (Melo Morais. "Brasil Histórico" - Vol. 2 - pg. 246). Nos anais da Biblioteca Nacional e nos documentos Históricos - Vol. 1 - p.p. 135-137 - há documentos desmentindo o aviso acima.
Efetivamente, em Documentos Históricos, nas páginas 135 a 137 pode-se ler:
Dom João por graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves daquem e dalém-mar em África senhor de Guiné etc. Faço saber a vós Provedor da fazenda da Capitania de São Paulo, que por parte de Francisco Morato, se me representou, que elle havia arrematado no conselho de minha fazenda o contracto do sabão preto destas cidades e suas conquistas por tempo de quatro annos, que hão de ter principio do primeiro de Janeiro do anno que vem de mil sete centos e vinte e oito e hão de acabar no fim de Dezembro de mil sete centos e trinta e um e que entre as condições delle era uma que lhe seriam passadas todas as Provisões, e mandados que lhe fossem necessários, para cumprimento do mesmo contracto e boa arrecadação delle. Pedindo-me lhe mandasse passar ordem para que em virtude da dita condição, e das mais o admittaes por si seus feitores, e administradores a requerer tudo o que fizer a bem do dito contracto, e pol-o em boa arrecadação, como fazenda real: e que outrosim possa dar os varejos que lhe parecerem necessários, em todos os Estados que houver de sabão administrado pelo contractador presente para que no primeiro de Janeiro do dito anno possa tomar conta das arrobas que achar nelles para haver de se lhes pagar pelo custo que constar fizeram ao contractador antecedente e não pelos avanços que lucra até o ultimo de Dezembro do presente anno; e que também os ditos seus administradores de primeiro de Janeiro em diante possam pôr correntes as saboarias deste novo contracto pondo-as e administrando-as conforme o estylo, e se praticou nas administrações passadas: e sendo visto seu requerimento. Me pareceu ordenar-vos guardeis e façaes guardar as condições do contracto do supplicante para que se pratique com elle o mesmo que se praticou com o contractador actual, declarando-se-vos que se ponha todo o cuidado na guarda da condição dezoito que trata do sabão da Ilha de São Thomé. El-Rei nosso senhor o mandou por Antonio Roiz da Costa e o Doutor Joseph de Carvalho Abreu conselheiros do seu Conselho Ultramarino e se passou por duas vias. Dionysio Cardoso Pereira a fez em Lisbôa occidental em nove de Agosto de mil sete centos e vinte e sete.

O secretario André Lopes de Lavre a fez escrever.
Antônio Roiz da Costa
Joseph de Carvalho Abreu

Por despacho do Conselho Ultramarino de 9 de Agosto de 1727
A questão do fabrico não era novidade no Reino. Havia desgosto quanto ao estanco da fabrição do produto, tendo sido objeto de reivindicação ao rei Dom João II, durante as Cortes de Évora de 1481-1482, conforme registrado pelo Visconde de Santarém:
Capitollo que falla no sabam e saboarias.

Senhor parece a vosos povoos stranho que de seu azeite e sinza nom posa cada hũu fazer sabam pera despesa de sua casa e que per prema ho vaao comprar ao remdeiro que arremdada teem a saboaria no que vosso povoo recebe muito agravo e perda sem ateequi aver corregimento Pedem vos por mercee que estas saboarias vosa alteza lhes dexe e mamdees que cada hũu faça livrememte sabam sem por ello emcorrer em pena e quando vosa alteza as nõ tirar ao menos mandees que quem o sabã quiser fazer pera sua despesa que o possa fazer e nom o vemda a allgũa pesoa e quẽ o comprar quiser vaa aaquelle ordenado que o tem per licença vossa e em esto senhor farees muita mercee a vosos povoos e já Senhor per elRei eduarte voso avoo em hũuas cortes que fez em Samtarem determinou que per morte do Ifante do amrrique ficasem as saboarias ao povoo e as mais hi nom ouvesse o que muito poderoso Senhor vosa alteza deve comfirmar e aprovar por fazerdes mercee e justiça a vosos povoos.

Reposta.

Respomde elRey que por isto tocar ao ducque seu primo lhe parece que he rezam e ha por bem que a Ifamte sua madre seia ouvida como procurador que he do dicto Duque e manda que pase carta pera ella e mamda que os procuradores emllegam amtre si hũu ou dous que em speciall tenham carrego de o sobre ello requerer pera despois de viir o recado da dicta ifante elle determinar o que lhe parecer seer rezam e direito.
A reclamação era simples. Nada foi colocado contra o estanco em si, mas contra a proibição de se produzir sabão para próprio uso, sem venda para terceiros.

Qual a resposta não se sabe pelo registro das Cortes, uma vez que o rei postergou a resposta. Todavia, na Wikipedia, verbete sabão, informa que "Desde o século XV, pelo menos, que o povo se manifesta contra este monopólio que até impedia o fabrico caseiro para uso doméstico.
" Mas, só para não variar, não informa de onde obteve tal informação, correta por sinal, pois as Cortes de Évora foram realizadas no século XV...

Muito mais tarde, em 1641, há o registro de um contrato de dois anos, pelo qual o contratador tem que pagar uma dada renda à Fazenda Real, mais por cento para a Obra Pia, e outros acréscimos.

Quanto ao preço do sabão, ficava à discrição do arrendador. Quanto a área coberta pelo estanco, depreende-se que Portugal e as partes do Brasil.
EU EL-REI faço saber aos que este Alvará virem que no Conselho de minha Fazenda se contratou a renda do sabão preto deste Reino e partes ultramarinas delle, a Martim Moreira, por tempo de dous annos, que começaram a 27 dias do mez de Setembro do anuno de 1641, em Preço e quantia de dous contos e dozentos mil réis em cada um delles, alem do um por cento da Obra Pia, e dous por milheiro, e ordinarias que se costumam pagar na dita renda: E conforme ao contracto della, fez traspasso da dita renda em Sebastião Ribeiro de Teives, que outro sim traspassou logo o que se havia de gastar nas partes do Brazil em Ignacio de Azevedo, a quem para o meneio e despesa do dito sabão é necessario pôr Feitores e Recebedores e mais Officiaes que forem necessarios nas ditas partes:

Pelo que mando ao Governador dellas, e ao Provedor de minha Fazenda, e Ouvidor Geral, e mais Justiças, dos logares do dito Estado do Brazil, que a todos os Feitores, Recebedores, e mais Officiaes, que o dito Ignacio de Azevedo provêr para beneficio e venda do dito Sabão, lhe cumram e façam cumprir os mandados que para isso passar, ou lhe passem outros, conforme as condições do dito contracto, e lhes dêem e façam dar toda ajuda e favor que cumprir e fôr necessario para a venda e beneficio do dito sabão; e que nenhuma Camara dos ditos Logares, nem Oficiaes della, se entremettam no preço do dito sabão, nem em posturas delle, nem façam nenhuma condemnação a quem o vender, sob pena de eu proceder como houver por bem — o que todos cumprirão, por convir a meu serviço e boa administração de minha Fazenda — e este se passou por duas vias, de que esta é a segunda. que se cumprirá, com certidão do Escrivão do novo direito de como se pagou delle o que se dever: e sem a dita certidão não terà effeito.

Balthasar Ferreira o fez, em Lisboa, a 15 de Maio de 1643. Fernão Gomes da Gama o fez escrever. = REI.

Liv. XVI da Chancellaria fol. 66.
Isto visto, fica claro que o sabão era uma fonte de renda para o Reino, por meio de contratos de estanco, pelo qual o contratante pagava uma renda para o Tesouro e ficava com o direito de fabricar e vender o sabão com exclusividade.

Se o contratante resolvesse produzir sua mercadoria na península, por óbvio ficaria proibida a produção no Brasil, e vice versa.

Nada a ver com uma decisão da Coroa Portuguesa contra o desenvolvimento das "partes do Brasil"...

Fontes:

BRITO, Luiz Tenório de. Prometi. Aqui Estou. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, Volume LIX, paginas 59 a 70.

SANTARÉM, 2º Visconde de (1791-1856). Memórias e Alguns Documentos para a História e Teoria das Côrtes Geraes. Parte II. Documentos - Alguns Documentos para servirem de provas à parte 2ª das Memorias para a Historia, e Theoria das Cortes Geraes, que em Portugal se celebrarão pelos tres Estados do Reino. Páginas 174 e 175. Lisboa: Impressão Régia, 1828. Disponível em www.governodosoutros.ics.ul.pt

LIMA, Heitor Ferreira (1905-1989). História do pensamento econômico no Brasil, página 71. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976.

SILVA, José Justino de Andrade e. Collecção Chronologica da Legislação Portugueza - 1640-1647. 2ª Série. Páginas 437 e 438. Lisboa: Imprensa de J. J. A. Silva. Disponível em www.governodosoutros.ics.ul.pt
WIKIPEDIA. Sabão. Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Sabão. Acesso em 26.08.2018.
quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Fake Olds II - Salinas

Paulo Werneck


Mulher com arenque salgado para vender
Cris de Paris, ca 1500. Paris, Biblioteque Nationale
Fonte: Wiki  

Em Fake Olds foi apresentado um trecho de um livro com inverdades históricas, a saber normas inexistentes ou fora de contexto, mostrando prejuízos ao desenvolvimento do Estado do Brazil, como o nosso país foi denominado durante a maior parte do tempo em que esteve unido ao Reino de Portugal.

Procurando o texto integral das citadas normas, algumas não foram localizadas na minha vasta biblioteca virtual de livros antigos de legislação, e a busca na Internet acabou por localizar um artigo de Luiz Tenório de Brito.

Dada a relevância do tema, mais algumas diatribes serão contestadas agora, utilizando-se parcialmente o mesmo método pelo qual as notas históricas inverídicas são disseminadas: citação da citação da citação, de ler ou de ouvir dizer, sem verificação das fontes.

Todavia a busca pelos diplomas legais originais continuará e mais cedo ou mais tarde serão publicados neste local, para que a verdade prevaleça.

Em respeito aos que nos precederam e que divulgaram mentiras de boa fé, ressalto que o acesso às fontes originais era dispendioso tanto em tempo como em dinheiro, com a necessidade de busca em arquivos governamentais, onde o mais confiável era, e continua sendo, a Torre do Tombo, em Lisboa.

Mesmo as fontes que consultamos não são documentos originais, mas compilações de legislação feitas por juristas e pesquisadores para auxílio ao trabalho de juízes e advogados, algumas dessas compilações sancionadas pelos governos de então. Mas, evidentemente, como errar é humano, essas compilações podem ter divergências em relação aos diplomas originais.

Vejamos a questão do sal. Ferreira Lima afirma, com base em Pereira dos Reis [que não consultamos] que foi proibida a fabricação do sal ("em 1665, foi proibido produzir sal no Brasil").

Brito rebate essa afirmação, tratada em outra publicação (que ele não nomeia), publicação essa que faz referência a outra norma que teria determinado a mesma proibição:
"LEI DE 20 DE FEVEREIRO DE 1690 proibindo o uso de outro sal que não fôsse o vindo de Portugal e que aqui chegava por preço exorbitante, possuíndo o Brasil, como possuia, excelentes e riquissimas salinas que já eram conhecidas na época".

Sôbre o assunto, leiamos a historiadora Miriam Elis, professôra da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, na sua obra monumental - O Monopólio do Sal no Estado do Brasil, pg. 46 - "Apoiado na prerrogativa que o Rei de Castela implantou o monopólio do sal em Portugal, e por orientação do seu valido, o conde duque de Olivares, esta imposição violenta da Coroa dos Felipes, foi uma das consequências da política de Castela, ou melhor, do Domínio Espanhol, tão desastroso e funesto ao comércio exterior e ao poderio lusitano". Era bom o sal do Brasil? "O sal da terra (do Brasil) havia se mostrado muitas vêzes nocivo às salgas e parece que nem todo o sal nativo era aplicável ao salgamento e ao preparo das carnes" (Miriam Elis - obra citada, página 31).
Note-se que a questão do sal é recorrente na tributação do Ancien Régime, dada a absoluta necessidade de seu uso, portanto tornando-se uma ferramenta adequada, pelo menos aos olhos dos reis e seus ministros, para reforçar a arrecadação.

Esse é um tema importante, por exemplo, na tributação do Reino de França, sob a forma da gabelle du sel. Colbert tentou reduzir um pouco esse imposto indireto. Os interessados podem consultar as muitas referências a esse tributo em Histoire de l’Impôt en France. E os franceses não eram colonos do rei de França...

Quanto a Portugal, Freire tece diversas considerações acerca das salinas propriamente ditas:
ALGUMAS DISPOSIÇÕES SOBRE AS SALINAS

§ XIII - Seja-nos lícito juntar aqui algumas observações sobre as salinas. Os seus antigos direitos pertencem inteiramente ao Rei, segundo a Ordenação, liv. 2, tit. 26, § 15, que se intitula Dos direitos reais. Em Espanha há uma Ordenação semelhante na Recopilación, liv. VI, tit. 13, lei 2; e em França também, como afirma Cujácio nas Observationes, liv. III, cap. 31, assim como entre os Romanos na lei 17, § I, do tit. De verborum significatione, do Digesto, na lei 59, § I, do tit. De heredibus instituendis, do Digesto, na lei II do tit. De vectigalibus et commissis, do Código, e na lei 4, § 7, do tit. De censibus, do Digesto. As nossas leis também proíbem os estrangeiros de trabalhar nas marinhas de sal, Extravagante de 27 de Maio de 1696, Colecção I à Ord. liv. 2, tit. 26, N. II; igualmente estão os naturais do Reino proibidos de trabalhar nas marinhas de sal das outras nações, Extravagante de 15 de Fevereiro de 1695, na mesma Colecção. N. 10. As salinas situadas em local particular não pertencem ao Rei, mas ao respectivo senhor; devem-se, porém, cobrar os direitos do sal pela maneira prescrita no Regimento de 13 de Julho de 1638, apud Menescal, tomo I, pág. 211.

As áreas salineiras, tais como os campos incultos e desertos, eram antigamente dados de sesmaria, sem qualquer ónus, segundo a Ord. liv. 4, tit. 43, § 13; depois, começaram a ser dados mediante uma módica pensão, como se vê de documentos dos anos de 1435, 1460 e 1490, apud Cabedo. p. 2, Decisio 53. A novíssima lei de 17 de Julho de 1769 sobre as salinas dos Algarves seguiu de mui perto essas razões de humanidade e interesse público.
Não encontramos a proibição de 1665, nem tampouco a lei de 1690, mas existem muitos documentos tratando da tributação do sal, como o Regimento dos Direitos do Sal da Alfândega de Lisboa, de 13 de julho de 1638, registrado na Collecção Chronológica da Legislação Portugueza.

Dispensável informar que as duas proibições, de 1665 e 1690, não foram localizadas.

Fontes:

BRITO, Luiz Tenório de. Prometi. Aqui Estou. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, Volume LIX, paginas 59 a 70.

CLAMAGERAN, J. J., Histoire de l’Impôt en France. 3 volumes. Paris: Librairie de Guillaumin, 1867, 1868 e 1876. Disponíveis em epub, pdf, e word em www.mercadores.com.br, na aba História.

FREIRE, Pascoal José de Melo. Instituições de Direito Civil Português, Volume I. Versão Portuguesa de Miguel Pinto de Meneses. Lisboa: Boletim do Ministério da Justiça, 1966. Disponível em http://www.governodosoutros.ics.ul.pt.

LIMA, Heitor Ferreira (1905-1989). História do pensamento econômico no Brasil, página 71. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976.

SILVA, José Justino de Andrade e, Collecção Chronológica da Legislação Portugueza, 1634 - 1640. Lisboa: Imprensa de J. J. A. Silva, 1855.
domingo, 19 de agosto de 2018

Fake Olds I - Vinhas e Couros

Paulo Werneck


Vindima
Fonte: Museu do Douro

Atualmente estamos assistindo a discussões e denúncias sobre as chamadas "fake news", notícias falsas, tendentes a influenciar politicamente os eleitores ou criar climas de pânico. Muitas dessas notícias não são meramente erros de seus autores, mas são produzidas com esse fim por organizações com objetivos definidos, ou mesmo por jornais, que esquecem seu dever de informar corretamente, seja por preguiça de verificar as fontes, seja para promover a orientação política de seus donos.

Aqui, todavia, tratamos de fatos do passado, não nos interessa o que ocorre hoje - salvo a publicação de livros e a promoção de eventos sobre a história - mas não deixa de haver alguma conexão entre as "fake news" e as "fake olds", digamos assim.

O que seriam as "fake olds"? Nada menos do que notas históricas falsas, seja por preguiça do autor, seja por desejo mesmo de falsear os fatos para apoiar uma interpretação que defenda.

O caso do Alvará de 5 de janeiro de 1785, de dona Maria I, é exemplar. Apesar de facilmente localizável, muita gente insiste em que a rainha teria proibido as manufaturas no Brasil, quando proíbe apenas as de tecidos finos, permitindo que permanecessem funcionando as manufaturas de panos grosseiros.

No livro de Heitor Ferreira Lima, História do pensamento econômico no Brasil, consta na página 71 o seguinte parágrafo, tendo como fonte Pereira dos Reis, no livro "O colonialismo português e a Conjuração Mineira":
Concomitantemente a este intercâmbio comercial volumoso e desfavorável para nós, existia uma série de leis restringindo nossa expansão, particularmente no domínio industrial. A carta régia de 1.° de março de 1590 proibiu a plantação e cultura das vinhas; em 6 de fevereiro de 1649, foi criada a Companhia Geral do Comércio com o Brasil; em 1665, foi proibido produzir sal no Brasil; o alvará de 12 de maio de 1680 obrigou os sapateiros a só trabalharem com couros vindos de Portugal; em 1690, a venda do sal vindo da metrópole era arrematada por particulares; a carta régia de 1724 vedou as promoções acima de alferes aos brasileiros; o alvará de 5 de fevereiro de 1767 impediu a fabricação de sabão; a proclamação do governo de Minas Gerais de 4 de julho de 1775 determinou a extinção das fábricas de tecidos; o alvará de 5 de janeiro de 1785 mandou fechar todas as fábricas de tecidos, e as oficinas de ouro e prata, etc. funcionando no país; em 1785, era impedida também a fabricação de ferro entre nós; a profissão de ourives foi proibida, não se permitindo igualmente a abertura de estradas para Minas Gerais. Não tínhamos universidade, sendo todo o ensino superior ministrado na metrópole, faltando também tipografias para impressão de livros, controlando-se com rigor extremo essa mercadoria importada.
Ora, disponho de uma excelente biblioteca para um oitocentista, com mais de 300 livros de legislação, todos em pdf, garimpados em sites como a Biblioteca Nacional, Biblioteca Nacional de Portugal, Biblioteca Digital da USP, Internet Archive e outros sites. É verdade que muitos exemplares são repetidos, o que reduz um pouco a quantidade de obras diferentes.

Como historiador arquivista, que não sai da poltrona, e sem formação acadêmica na disciplina, me restrinjo a pesquisar documentos transcritos nessas obras para lhes conhecer o inteiro teor e tentar apreender-lhes o sentido.

Tendo então chegado ao parágrafo citado, pus-me a compulsar meus "livros" a procurar os documentos citados: tarefa inglória e sem resultado.

Em desespero de causa, pedi ajuda àquele que tudo sabe, o titio Google, e me deparei com um artigo do Luiz Tenório de Brito, que perora contra quem ele denomina "divulgadores de documentos mutilados, fraudados, deformados assim trazidos a público com objetivos confusionistas".

Em seu artigo, Brito aborda diversas proibições "fake", muitas das quais presentes no citado parágrafo do livro de Ferreira Lima, como a proibição da plantação de vinhas. Diz Brito:
"CARTA RÉGIA DE 1.º DE MARÇO DE 1590, proibindo a cultura de vinha".

Ora, Portugal estêve sob o domínio da Espanha de 1580 a 1640, verificando-se, logo no comêço, a "elegância" do historiador. A ordem foi assinada pelo rei da Espanha, a qual entretanto deixou de ser obedecida, pois, segundo mestre Afonso de Taunay (São Paulo nos primeiros tempos - página 140), em fins do século XVI fertilíssimos pomares circundavam a vila de Piratininga, onde uvas, figos, romãs, maçãs, marmelos vinham abundantíssimos. Já em São Paulo havia moradores que faziam duas pipas de vinho por ano.
Quanto à obrigação dos sapateiros, continua Brito:
"ALVARÁ DE 12 DE MAIO DE 1680, obrigando os sapateiros a só trabalharem em couros que viessem de Portugal".

Leiamos o documento: Ordenou-se às Câmaras Municipais que fizessem posturas (isso era atribuição da Câmara Municipal) que proibissem o uso e o gasto de outra sola que não fôsse fabricada dentro do mesmo Reino e suas conquistas - isto é, em Portugal, Índia, Brasil, etc. Note-se a "elegância" do historiador nas suas pesquisas...
Ficamos por aqui.

Continuo buscando os documentos originais, pois também Brito não os transcreveu em seu artigo.

Fontes:

BRITO, Luiz Tenório de. Prometi. Aqui Estou. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, Volume LIX, paginas 59 a 70.

LIMA, Heitor Ferreira (1905-1989). História do pensamento econômico no Brasil, página 71. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976.
quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Nomeação do Juiz Conservador

Paulo Werneck


Audiência de uma disputa entre médico e alfaiate Rowlandson & Woodward.
Fonte: Wikicommons

Concluindo por ora as anotações sobre os juízes conservadores, como eles eram nomeados? O alvará a seguir apresenta a nomeação de um Juiz Conservador dos Ingleses.
Alvará de 30 de julho de 1680.
Nomeação de Conservador dos Ingleses, em cumprimento do Tratado de Comércio.

EU O PRINCIPE, como Governador dos Reinos e Senhorios de Portugal e Algarves, etc. Faço saber aos que este Alvará virem, que, havendo respeito ao que por sua peticão me enviaram a dizer D. Francisco Parny, Enviado de El-Rei da Grã-Bretanha, meu bom Irmão, assistente neste Reino, ácerca de no Capitutulo VII do Tractado do Commercio, ter concedido á Nação Ingleza para julgar todas suas causas, e conservar seus privilegios, tivesse um Juiz Conservador, qual occupar maior authoridade, na fórma dos mesmos Capitulos, os Doutores João Milly de Macedo, e Luiz Alves Ribeiro, Desembargadores da Casa da Supplicação, e por morte deste se deixará servir ao Ouvidor da Alfandega, Vital de Sousa de Miranda, por estar a acabar o dito cargo, e pela maior parte dos homens de negocio da dita nação requerer fizesse tornar o dito cargo á sua antiga authoridade, e em observancia do estilo e pratica que nelle se observa, propozeram ao Doutor Manoel Lopes de Oliveira, Desembargador dos Aggravos da Casa do Supplicacão, para servir o dito cargo; e tendo a tudo consideração, e ao mais que me foi presente, e por fazer mercê á dita Nação Ingleza, em conformidade do dito Capitulo VII: hei por bem nomear neste cargo ao Doutor Manoel Lopes de Oliveira, para que elle o sirva, sem embargo da Ordenação do livro 1.° titulo 52 § 9.°, e de o haver tornado aos Ouvidores da Alfandega, para que elle processe e sentencêe as causas que pertencerem á dita nação, dando appellação e aggravo para a dita Casa da Supplicação, onde as appellações interpostas se acabarão dentro de quatro mezes, na fórma do mesmo Capitulo. E mando ao mesmo Desembargador e Ministros a que isto pertencer, que assim o cumpram, e este Alvará, como nelle se contem, de que pagou de novos direitos vinte e cinco mil réis que foram carregados a Heronimo da Nobrega de Azevedo, que serve de Thesoureiro delles, no Livro de sua receita a folhas vinte, e a pagar outra tanta quantia, deu fiança no Livro dellas a folhas seis; e valerá posto que seu effeito haja de durar mais de um anno, sem embargo da Ordenação do livro 2.° titulo titulo 40 em contrario.

Manoel da Silva o fez, em Lisboa, a 30 de Julho do 1680, de feitio nada. Francisco Galvão o fez escrever. = PRINCIPE.

Liv. X da Supplicação fol. 225 v.
Da texto podemos depreender que a voz dos comerciantes ingleses foi ouvida e o cidadão por eles apoiado foi devidamente empossado como juiz conservador, não sem antes contribuir com o Erário Real na forma do recolhimento ao Erário Régio dos novos direitos referentes à posse do cargo.

Fontes:

SILVA, José Justino de Andrade e. Collecção Chronologica da Legislação Portugueza - 1675-1683 e Suplemento à Segunda Série 1641-1683, p. 74-75. Lisboa: Imprensa de J. J. A. Silva, 1857.